Colunistas

O gato da surpresa

No próximo dia 4 de outubro, celebra-se São Francisco de Assis (1181-1226), o santo protetor do meio ambiente e dos animais. Encantado com a criação, tornou todos os seres seus irmãos, não apenas as pessoas. Assim, a irmã Lua, o irmão Sol, a irmã árvore, a irmã água, todas essas formas amorosas de nomear os elementos do universo, ao qual deseja a paz sem restrições, tudo expresso na linda oração “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz/ onde houver ódio, que eu leve o amor/onde houver ofensa, que eu leve o perdão…” e uma sequência de versos que, se vividos, tornariam com certeza o mundo cheio de ódio e falsidades um pouco melhor.

Faço essa breve introdução para falar dos animais que já fizeram da nossa casa a sua morada. Apareceu de tudo, passando por pinto, hamester, porquinho-da-índia, peixe, tartaruga, mas acima de tudo cachorro. Destes, a maioria abandonada nas ruas da cidade, cada um com origem desconhecida, raça e idade indefinidas, carteira de saúde inexistente. Bastava aquele olhar de pedinchão que a dona Carmen, com espírito de São Francisco, não resistia, recolhia o desemparado e o apresentava como novo morador do nosso lar.

Já citei em outra crônica o Totó. Só pelo nome logo se percebe que era original. Meio baio, pequeno, às vezes brabo, vivia feliz. Um dia, o Totó deu cria, um punhado de minúsculos filhotes, um pouco maiores que ratinhos desidratados. Como nunca ele passara por exames mais meticulosos, sempre fora o Totó, que acabou nos surpreendendo com a maternidade. Passou a ser a Totó, certamente provocando séria crise de identidade, com que conviveu até a morte.

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Os bichos viviam no pátio, livres, alegres e gordos. Um canil foi construído, mas virou depósito de tralhas. Uma casinha pesando duas toneladas era simplesmente ignorada pelos cães. Gaiolas não existiam, porque pássaros livres são muito mais bonitos.

Certo dia, num final de tarde, aparece um veterinário para entregar duas cachorrinhas. Pasmo, eu disse que deveria ser engano, que ninguém pediu essas figuras. Mas, ele insistiu: foi tua mulher que mandou. Quando ela chegou em casa, explicou que as duas estavam maltratadas, abandonadas, olhares tristes, aí eu peguei e trouxe para casa. Sem lenço nem documento, foram nomeadas como Mary e Poppins e, por suposição, deveriam ser mãe e filha.

A Mary, depois de alguns anos, morreu, deixando amargura e saudade em Poppins. No dia do recente aniversário de dona Carmen, estávamos mateando no final da tarde quando sugeriu que deveria adotar um outro cãozinho para fazer companhia à Poppins. Não achei uma boa ideia e a conversa parou por aí. Logo vieram filha, genro, dois netos, trazendo um presente de surpresa. Bem acomodado numa pequena caixa, miando suavemente, um gatinho, claro, também oriundo de abandono.

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Como não tinha nome, brotaram sugestões: Garibaldi, Mimoso, Rodrigo Cambará, Teo, por aí. Propus Epaminondas de Vasconcelos, ou Hermógenes, o jagunço de Guimarães Rosa. Rejeitaram. Gatos costumam fugir e como vamos sair pela rua chamando Epaminondas de Vasconcelos? Aí, ficou Teo, já abreviatura de Teófilo. Hoje dorme junto à Poppins, sobe no sofá, sobe no colo e acompanha atentamente minhas leituras. Gostou muito de Chomsky, de jornal gosta menos.

Só espero que nenhum circo passe pela cidade e abandone um elefante ou uma girafa. Porque já imagino onde podem parar.

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Ricardo Gais

Natural de Santa Cruz do Sul, Ricardo Luís Gais, 27 anos, é jornalista multimídia no time do Portal Gaz desde 2023.

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