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O menino e a chuva daqui

– “Olha lá o Thur” – apontou a maninha Sofia na direção da varanda. Todos se voltaram para observar o menino. Puxara uma cadeira sob a aba, logo atrás da porta de vidro entreaberta. Sentado, com as pernas dobradas junto ao corpo, não se mexia. O que é incomum. Em seus 8 anos, o que menos se pode esperar dele são momentos de quietude. Absorto, olhava a chuva. Nem durante sua atenção voltada ao tablet, situação comum de seu dia a dia, o víamos tão compenetrado. Todos estranhamos, mas não interrompemos. Nessas ocasiões se instala a magia do inusitado. Se Arthur se manteve atento à chuva, nós a ele. Dali a pouco voltou para a sala. Deitou-se sobre um tapete. Ajeitando o travesseiro, colocado sob sua cabeça pela avó Vera, adormeceu sob o olhar fotografado da bisavó Natália.

Vera, aos primeiros pingos, costuma levar os potes de folhagens até a varanda. Natália deixou um grande recado: “Não deixem faltar água no mundo!”

Alguns dias mais, já em Porto Alegre, num entardecer chuvoso, Arthur se mostra entristecido. À pergunta do porquê de sua atitude, murmura: “Estou com saudade de Santa Cruz, gosto da chuva de lá!”
Gostar de chuva, de lá e de cá, equivale a amar a vida, a natureza. Chuva não é apenas água. Ela carrega consigo ancestralidades, presenças e futuridades. Cada gota é um pouco de tudo o que já existiu, segue e continuará coexistindo. Desertos e várzeas, montanhas e planícies, rios e mares, mangues e sangas suspiram por chuvas. Pássaros sacodem-se em penas molhadas. Animais recolhem-se em tocas pingantes. Peixes saúdam respingos. Plantas fazem de suas folhas conchas recolhedoras. Lavouras hidrofertilizam-se. Deuses banham-se em nuvens. Subterrâneos percolam fluxos. Amanheceres brilham orvalhos. Anoiteceres aconchegam umidades.

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Águas vestidas de chuvas, serenos, névoas, cerrações e orvalhos nos fazem melhores. Pena que estejamos tão surdos e cegos para a naturalidade, e tão avidamente gananciosos para a artificialidade distanciadora do que realmente vale a pena.

Na próxima chuva, mesmo que não seja o dia 22, Dia Mundial da Água e do aniversário de Vera, deixemos nossa espontaneidade infantojuvenil gotejar por onde estivermos.

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Naiara Silveira

Jornalista formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul em 2019, atuo no Portal Gaz desde 2016, tendo passado pelos cargos de estagiária, repórter e, mais recentemente, editora multimídia. Pós-graduada em Produção de Conteúdo e Análise de Mídias Digitais, tenho afinidade com criação de conteúdo para redes sociais, planejamento digital e copywriting. Além disso, tive a oportunidade de desenvolver habilidades nas mais diversas áreas ao longo da carreira, como produção de textos variados, locução, apresentação em vídeo (ao vivo e gravado), edição de imagens e vídeos, produção (bastidores), entre outras.

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