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GAZ – Notícias de Santa Cruz do Sul e Região

O patinete-lambreta

Reza a cultura oriental que não é auspicioso guardar coisas velhas e quebradas. Ao longo de mais de 4 mil anos, dinastia após dinastia, sábios chineses vêm alertando que bugigangas antigas ou danificadas acumulam energias negativas, que se espalham pelo ambiente, geram estresse e inibem a prosperidade.

Porém, a modesta experiência que acumulei ao longo de quase 40 anos sugere que convém guardar certas tralhas. Nunca se sabe quando algum conserto doméstico imprevisto, daqueles que se impõem em domingos ou feriados, exigirá um pedaço de cano de PVC, um resto de arame ou um prego torto. De forma que, embora mantendo o devido respeito à sabedoria oriental, cultivo a tradição de guardar no galpão uma lata com parafusos, uma caixa com fios elétricos que sobraram de alguma instalação e aquele retalho de pínus que restou após a edificação da casa da árvore das crianças.

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Antes de seguir com esta instrutiva história, preciso, em minha defesa, abrir um parêntese:
(Sou um grande defensor, lá em casa, de que brinquedos fora de uso, quando em bom estado, sejam encaminhados para doação. Brinquedos não são como parafusos ou pedaços de arame. Brinquedos são, de fato, fontes de energia, com o incrível poder de trazer alegria às crianças. Por isso, é de se estranhar que o patinete tenha ficado esquecido no galpão. Porém, matreiro, ele ficou lá no canto dele, quietinho, talvez esperando pacientemente o dia em que seria redescoberto pela caçula. Até que, enfim, isso aconteceu. Fecha parênteses.)

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O ajuste no patinete só foi possível porque jazia, no galpão, um velho cano de ferro, destes que formam o esqueleto das piscinas de plástico. Não lembro da sua origem, acho que sequer pertencera a uma piscina nossa. A julgar por alguns pontos de ferrugem, estava lá há muitos anos, possivelmente se transmitindo, incógnito, de um morador da casa a outro. Até que, enfim, chegou o dia de voltar a ter utilidade.

Com a serra circular – item que tornou-se imprescindível aqui em casa – ajustei o longo cano à altura da caçula e, com presilhas de ferro e velhos parafusos resgatados da lata, conectei-o ao guidão e à roda do patinete. Uma vez eliminados os pontos de ferrugem, a nova haste recebeu uma camada de tinta de secagem rápida e, voilà!, eis o patinete pronto para o uso. Até que foi fácil. Se tivesse parado por aí…

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Entusiasmada com a incrível habilidade que demonstrei no ajuste do patinete, Ágatha concluiu que poderíamos fazer mais adaptações. Argumentou que o patinete seria mais confortável se tivesse assento e apoio para os pés e, em seguida, se propôs a desenhar “um projeto”, a ser usado como guia nas alterações. Ao cabo de cinco minutos, veio me mostrar o papel, com o desenho do que mais parecia ser uma lambreta.
– É a planta do novo patinete – disse. – Aqui está o banco, aqui um apoio para os pés e, junto, o pedal do freio.
– Pedal do freio… – suspirei.
– Isso mesmo, pai. E repare aqui – e apontou com o lápis a haste do guidão – teremos que encurtá-la novamente, para ficar da altura do assento.
– E o que é essa parque riscada, atrás das rodas traseiras? – perguntei, analisando a “planta”. – Um prolongamento? Uma carreta?
– Isso não é nada, errei o cálculo do tamanho do patinete. Por isso que esta parte está riscada, ora bolas… Não sabe ler projetos?

Mas então a traquinas pensou mais um pouco e concluiu:
– Se bem que… essa ideia da carretinha atrás não é nada má…
Como já era tarde, combinamos de adiar toda essa obra de engenharia mecânica para o fim de semana seguinte. E, enquanto o amigo leitor diverte-se com essa agradável leitura, certamente estou revirando o galpão em busca de peças e pensando em como elaborar o sistema de freios…

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