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O zero e o infinito

Tudo está para começar quando parece prestes a terminar. É uma das conclusões a que chega o engenheiro Hans Castorp em A montanha mágica, livro mais conhecido do alemão Thomas Mann (1875-1955).

O ponto de partida da história: Castorp, jovem de 23 anos aparentemente saudável, vai a um sanatório em Davos, na Suíça, visitar um primo em tratamento de tuberculose. É o ano de 1907 e ele pretende ficar só alguns dias no lugar, mas a autoridade médica o examina e confirma que o engenheiro também está doente dos pulmões. Assim, o que deveria durar uma semana estende-se por… sete anos.

O protagonista ocupa esse longo tempo ocioso em infindáveis conversas e debates com outros internados, gente de vários países da Europa. Quando não discute sobre política, ciência, religião, filosofia, Castorp por vezes se dedica a pesquisar qualquer assunto que lhe venha à mente. Por exemplo: física atômica, uma novidade à época.

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Ele se assombra com a descrição do átomo como sistema solar invisível, “em cujo seio gravitavam planetas, numa rotação de espantosa rapidez, em torno de um centro semelhante ao sol”. Ou algo ainda maior: “…na mais extrema redução, o universo estelar macroscópico”, com suas constelações, nebulosas, abismos.

O infinitamente grande no imensuravelmente pequeno. Se realmente é assim, pensa Castorp, “tudo começava apenas no instante em que se imaginava ter alcançado o término”.

Você passa a ver as pessoas de outra forma, então. Quantos universos carrega aquele senhor que atravessa a rua? Quase um século após Mann escalar A montanha mágica, o francês Edgar Morin lembrou: “Todo ser, mesmo aquele fechado na mais banal das vidas, constitui ele próprio um cosmos. (…) Cada qual contém em si galáxias de sonhos e de fantasmas.” (Os sete saberes necessários à educação do futuro, de 2000.)

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E mesmo assim o indivíduo é, estatisticamente falando, um nada. Ele precisa do grupo, do pertencimento a uma coletividade para sentir relevância na própria vida. Alguns buscam isso como meta, outros não. Porque não querem ou simplesmente não conseguem.

No curioso filme o Lagosta, de 2015, ser solteiro é conduta proibida pelo governo em um futuro incerto. Adultos que vivem sozinhos são enviados a um “resort” especial, onde têm 45 dias para encontrar um parceiro. Se não tiverem êxito nesse prazo, são transformados literalmente em animais.

Ao mesmo tempo, solteiros subversivos organizam-se numa comunidade rebelde. Mas as regras para conviver nesse grupo são tão absurdas quanto as impostas pela sociedade oficial. Há um “padrão” para quem deseja ser indivíduo.

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O zero e o infinito, como alguém disse. O que espanta é ser esse zero atravessado de infinitos.

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Ricardo Gais

Natural de Santa Cruz do Sul, Ricardo Luís Gais, 27 anos, é jornalista multimídia no time do Portal Gaz desde 2023.

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