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GAZ – Notícias de Santa Cruz do Sul e Região

Os ipês

Dar sentido às coincidências que se colocam em nosso caminho é um exercício poderoso. Se mensagens divinas e recados astrológicos soam por demais vazios a ouvidos pragmáticos como os meus, vale mais a pena reconhecer os acasos, atribuindo-lhes algum significado que nos garanta alguma segurança, sobretudo em tempos sombrios.

Pois bem.

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Nada de especial não fosse o fato de que domingo era Dia dos Avós, e a imagem de um ipê em flor me remete instantaneamente a meu avô materno. Homem de rara erudição, o vô Elbio há quase 25 anos escreveu um breve conto chamado “Os ipês… os ipês!”, no qual, sob o olhar de um neto, um velhote descobre, no alto dos 78 anos, a beleza fascinante das pequenas coisas que nos cercam.

O texto é de uma delicadeza ímpar, assim como era o seu autor. Vô Elbio foi militar, chegou a coronel, mas esqueça qualquer estereótipo que isso possa invocar. Era uma pessoa tenra, de olhar sempre sereno e uma generosidade sem fim. De longe, o melhor ser humano que conheci. Uma vez aposentado, dedicou-se à literatura e, se não alcançou fama, obteve reconhecimentos importantes, incluindo um Prêmio Guimarães Rosa, o que não é para qualquer um.

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Eis que me vejo, 12 anos depois de sua partida, diante da lembrança dele, ativada por uma flor de ipê que nascia preguiçosa em um domingo invernal de Dia dos Avós. E isso tudo em meio a um momento de desesperação, em que as incertezas se multiplicam, as saudades machucam, a morte nos ronda e, paradoxalmente, a intolerância e a irracionalidade parecem ganhar força.

Tal acaso não poderia me levar a outra conclusão. O que nos resta hoje para manter a calma é o que o vô Elbio tinha de sobra: esperança e amor pela vida, pelas pessoas, por um mundo ao qual será bom retornar quando tudo isso passar. Penso nisso, e nele, a cada vez que olho pela janela agora. E quando a angústia bate, lembro do que ele nos ensinou e que é tão simples quanto libertador: que os ipês florescem em agosto.

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