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Os poros na fortaleza

A muralha parece sólida, inabalável, mas em algum lugar deve existir um ponto fraco. Como foi construída lentamente, com muito empenho e dedicação, é ingênuo esperar que ela ceda com facilidade. Não, isso vai ser demorado e penoso.

Porque leva-se tempo para erguer uma construção tão firme, tão indiferente ao resto do mundo. Sem rachaduras visíveis.

Nos anos 1950, o escritor Ray Bradbury foi um dos que tentaram compreender a estrutura desse cárcere (pois, no fundo, é de uma prisão que estamos falando). Em um conto intitulado O jogo virou, temos a clássica situação: o grupo, a comunidade unida em laços pétreos, que dirige sua fúria sagrada contra uma única pessoa – o invasor, o inimigo. Mas nem todos estão sob tal influência.

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Alguém ali mesmo, dentro do tumulto, observa como se estivesse à parte. Essa personagem “queria alcançar o ódio deles, começar a cutucar e explorar até encontrar uma pequena rachadura e puxar um pedaço, uma pedra ou um tijolo, e depois a parte de uma parede. Uma vez que começasse, o edifício inteiro poderia desabar, e esse seria o fim.”

A dúvida é onde estaria realmente a pedra fundamental desse rancor. Em quem? E como chegar até ele? Mas só o fato de alguém discordar mostra que a construção é porosa, menos compacta do que parece de longe. De perto, nada é tão absoluto e provavelmente nunca será.

O que se vende hoje, sempre com intensa demanda, é a necessidade de pensar em termos absolutos. Só há verdade de um lado e mentira de outro, virtude e perversidade, beleza e feiúra, de um lado ou outro. Ordem ou caos. Sem meios-termos, nuanças, rachaduras na construção. Meio-termo é coisa de traidor. Um mundo fechado é mais fácil de compreender e melhor de se viver, ainda que cimentado com raiva e ressentimento.

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Trata-se de uma fantasia que alguns tentam tornar real a qualquer custo. E às vezes o que ajuda a desvendar sua natureza é, paradoxalmente, a fantasia. Nos anos 1960, o britânico Michael Moorcock escreveu A espada diabólica, série de aventuras que pareciam um misto de Conan, o Bárbaro, O Senhor dos Anéis e Game of Thrones. Um banquete nerd.

Fala de uma guerra épica entre os exércitos do Caos e da Ordem, numa época anterior à humanidade. O protagonista é Elric de Melniboné, servo dos senhores do Caos que decide combater ao lado da Ordem. Sendo quem é, Elric é uma figura trágica: sua espada – a “Stormbringer” – parece ter vida própria e se alimenta da energia das vítimas, ameaçando até seus aliados. Esse anti-herói, caótico em si, será o responsável pelo triunfo da Ordem.

O universo imaginário de Moorcock é mais complexo – e, portanto, plausível – do que alguns querem enxergar neste mundo de 2025, com suas fortalezas intransponíveis de verdade absoluta.

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Ricardo Gais

Natural de Santa Cruz do Sul, Ricardo Luís Gais, 27 anos, é jornalista multimídia no time do Portal Gaz desde 2023.

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