Categories: Regional

Por que Lucevaldo se desgostou da vida

Com o boné tapando praticamente todo o rosto, Lucevaldo só ergue a cabeça quando é interrompido de seus devaneios. “O que ‘tá’ pensando, seu Lucevaldo?”, pergunta-se. E então ele levanta os olhos e, calado, responde com os poucos dentes que lhe sobram. Em 40 minutos de conversa, são poucos os sorrisos desse senhor de 57 anos. Um dos momentos em que demonstra alegria e gratidão é quando comenta sobre o café da manhã que ganhou de um amigo que passou por ali. “Eu não vou pedir esmola pra ninguém. Acho que as pessoas me ajudam porque gostam de mim”, diz ele.

Lucevaldo da Silva, conhecido como Loci, está sempre no mesmo lugar, na calçada em frente a uma padaria, no Centro de Santa Cruz do Sul, por um motivo muito justo. “Eu fico aqui porque as pessoas que precisam de um servicinho meu sabem que me acham aqui”, explica. Além de trabalhos simples em jardinagem e limpezas de pátio, por exemplo, ele conta que auxilia também motoristas na descarga de caminhões. “Sempre trabalhei como servente, mas não tenho mais forças pra isso.” Carências – Todas as noites, antes de apagar a vela para dormir, já que o chalé de Lucevaldo nem energia elétrica tem, ele mantém um hábito que aprendeu com a mãe ainda criança. “Eu rezo pra agradecer por minha saúde e rezo para que apareça algum biscate pra fazer no dia seguinte, assim ganho meu dinheirinho”, relata. Ao recordar o passado, ele se cala e se comove, pois foram várias as derrotas que as fatalidades da vida lhe trouxeram. Nascido no interior de Vera Cruz, em uma localidade que nem lembra o nome, sempre trabalhou na lavoura, assim como seus dez irmãos. O pai nem chegou a conhecer, pois faleceu muito jovem. A mãe, Maria Ilma da Silva, teve que se virar para criar uma dezena de filhos. Lucevaldo é o mais moço. Com a perda da mãe, mudou-se a Santa Cruz do Sul para ganhar a vida como servente de pedreiro. E foi a profissão que o manteve até há alguns anos, quando as forças começaram a lhe faltar. 

A primeira frustração de Lucevaldo foi quando Terezinha, sua primeira esposa, teve uma “doença nervosa” e veio a falecer. O casamento deles inclusive aconteceu em um quarto de hospital, já que ela sofria da enfermidade. Com Terezinha teve dois filhos: Letícia, que morreu ainda criança, e César, já um rapaz, que o visita de vez em quando. Outra decepção em sua vida aconteceu quando sua segunda mulher também veio a adoecer. “Quando achei que as coisas iam melhorar um pouco pra mim, caí de novo”, diz ele, ao contar que há alguns anos sua companheira está sob cuidados em uma casa de saúde. “Fiquei muito desanimado e comecei a beber”, revela. Mas os conselhos do irmão, Felipe, fizeram com que Lucevaldo repensasse seu estilo de vida e abandonasse o alcoolismo. “Ainda bebo, mas é pouco, agora me cuido”, garante.

Publicidade

Morador do Bairro Belvedere, o chalé onde mora carece de muita coisa. Os fogões são antigos e sem condições de uso. Faltam também materiais de cozinha, roupas de cama, roupas para vestir e calçados. “Eu sempre quis ter uma geladeira, mas não tem luz”, lamenta. Para quem quiser ajudar Lucevaldo, ele mora na Rua Guilherme Kuhn, próximo da casa de dona Naia, conhecida de todo mundo por lá. Dona Naia, aliás, uma simpática senhora de charmosos cabelos brancos, será nossa protagonista na próxima edição do Vida Real.

TI

Share
Published by
TI

This website uses cookies.