Fotos: Juliano Morais | Jornal Gazeta da Serra
“Por mais que tentamos expressar todo o nosso carinho e amor em palavras, jamais conseguiremos atingir tudo aquilo que gostaríamos. Por isso existe a poesia.”
A inspiradora afirmação foi escrita por Robson Luiz Drachler, popularmente conhecido como Bobi entre os ouvintes. O apresentador do programa “Retratando a Querência” na Rádio Gazeta FM 96.1, em Sobradinho, encontrou nos versos dos poemas a melhor maneira de manifestar o seu amor pelo Rio Grande do Sul e pela cultura gaúcha.
Na próxima sexta-feira, 19, o poeta e declamador lançará Um olhar ao Sul, uma compilação de seus textos escritos ao longo de quase quatro décadas. A obra chega sob o selo da Editora Gazeta.
Publicidade
Em 140 páginas constam 28 poemas. Um deles é “Nos campos da solidão”, cujos versos fazem parte do livro do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) em comemoração aos 100 anos do escritor e poeta Guilherme Schultz Filho, em 2011.
“Transformara-se noutro ser / Ao repassar a vida / Fica a lamber a ferida / Que aumenta com a solidão / É o vazio no coração / Que o deixa abichornado / Feito um animal bichado / À espera do azulão”, escreve.
O emocionante e melancólico verso é apenas uma amostra da marcante escrita de Bob. O poeta traz um novo olhar de elementos típicos da cultura gauchesca, como a churrasqueira e o cavalo, e evidencia a força do peão na lida.
Publicidade
Nas mãos e na mente do escritor, a poesia também se transforma em importante manifesto crítico. Em “Lamento de um peão”, por exemplo, demonstra os inúmeros desafios no campo, sobretudo o êxodo rural, e aponta as falhas no sistema que deveria ajudar e proteger os moradores.
Essa é a arte de Robson Luiz Drachler. Um olhar ao Sul é uma obra que não visa apenas consolidar o legado do tradicionalismo, mas despertar entre os gaúchos o amor e o orgulho por viver no Rio Grande do Sul.
LEIA TAMBÉM: Mulheres conquistam espaço e protagonismo em cavalgadas no Rio Grande do Sul
Publicidade
Um olhar ao Sul será lançado em meio às celebrações da Semana Farroupilha em Sobradinho, na próxima sexta-feira, 19. A data ainda será marcada pela Noite Cultural, na qual os tradicionalistas realizam apresentações musicais e declamações. E se encerrará com um jantar no Galpão Campeiro do CTG Galpão da Estância, na Praça 3 de Dezembro, no centro da cidade.
Bobi já teve seu talento reconhecido nas últimas décadas, tendo conquistado premiações em concursos de declamação. Também foi o escritor especial da 27ª Feira do Livro de Sobradinho, em 2023, sendo homenageado pela comunidade. Para o poeta, a publicação do livro é a realização de um sonho.
“A minha expectativa é muito grande, como é para todo escritor. Para mim, a obra vem repleta de surpresas, pois é uma nova caminhada, à qual não estou acostumado. É como se estivesse participando de um grande evento pela primeira vez”, afirma.
Publicidade
A ideia de usar o título de um dos poemas na capa, conforme Bobi, partiu do editor e revisor final do trabalho, Romar Rudolfo Beling, responsável pela Editora Gazeta. Em “Um olhar ao Sul”, escrita em maio de 1999, discorre sobre o passado, o presente e o futuro do Estado.
“Olha o Rio Grande do Sul / Onde ecoou o clarim / No tempo que as fronteiras / Eram campos sem fim / A História se fez poesia / E veio em versos pra mim/”, escreve.
A obra, segundo Bobi, representa uma parte importante da sua vida que vai além do tradicionalismo, incluindo a família e os amigos. “E corresponde a uma busca pelo conhecimento. Então, ele representa várias coisas”, explica.
Publicidade
Prova disso é “Amizade”. Segundo o autor, trata-se mais do que uma palavra, mas a materialização de amor, carinho, dedicação, companheirismo e gratidão. “És tu, sentimento nobre / Uma dádiva de Deus / A todos os filhos seus / Irmanando as fronteiras / Entre o respeito e a admiração/ Se consolida na afeição / Mas nasce de tantas maneiras”, escreve.
O poeta também manifesta seu amor pelos pais. Em “Mãe guerreira” e “Mãe acima de tudo”, homenageia sua progenitora, Vera Lazzari Drachler. “Tua vida foi só desafio/Mas nunca perdeste o brio/ E nem desististe da carreira / És mulher gaúcha verdadeira/ Sua garra é como sol forte / Que brilha de sul a norte / Luz que inspira os outros / Pois tens a força dos potros / Que só se amansam na morte”, consta em um dos versos.
Igualmente comovente é o poema feito para o pai, Seraphin Drachler. Segundo Bobi, foi uma maneira de ressignificar a saudade do seu companheiro de lida no campo. “Pai, para amenizar a saudade / De quando em vez pego tua faca / E tenho guardado tua guaiaca/ Para mim são como um troféu / O seu lenço e o seu chapéu / Outros itens da tua indumentária/ E da nossa rica história lendária / Tu levaste contigo pro céu.”
Seja sobre o tradicionalismo ou a família, todos esses versos, segundo o poeta, remetem ao amor pelo que é nosso e por tudo aquilo que nós, gaúchos, defendemos. Seu objetivo é que sua arte sirva de inspiração às futuras gerações, para que reconheçam os feitos dos nossos antepassados.
É também uma forma de denunciar problemas ambientais, como o abandono dos rios, e uma crítica a nós, seres humanos, que esquecemos do nosso papel no mundo e na natureza. Mas, acima de tudo, uma obra para que os gaúchos se sintam orgulhosos de viver no Rio Grande do Sul.
LEIA TAMBÉM: Conselho do MTG escolhe Santa Cruz do Sul como sede da Fecars 2027
Nascido em 4 de abril de 1965, em Sobradinho, Robson Luiz Drachler, o Bobi, era um colecionador assíduo de tudo referente ao Rio Grande do Sul. Sua admiração pela história, pela cultura e pela tradição gaúcha era representada por seu vasto acervo de embalagens de erva-mate, álbuns musicais, livros e recortes de jornais sobre o tema.
“A poesia nasceu desse fascínio e do meu entusiasmo. E essa coleção de materiais vinculados à tradição fez com que adquirisse bagagem e conhecimento”, salienta o poeta. Segundo ele, uma de suas grandes inspirações foi o renomado payador (artista que improvisa poesia acompanhado normalmente de um violão) Jayme Caetano Braun.
Outra fonte de inspiração foi o programa “Retratando a Querência”. Nas ondas da Rádio Gazeta FM 96,1, fez amizades e conheceu muitas pessoas ligadas ao movimento tradicionalista, com quem aprende constantemente.
Menciona ainda as músicas gaúchas como uma rica fonte de ensinamento. “Aprende-se muito com as nossas canções, marcadas pela cultura e pela história. E tudo isso agrega no processo.”
Assim, aos poucos, foi criando os primeiros versos. Seguindo as palavras de Pablo Neruda, poeta chileno ganhador do prêmio Nobel de Literatura, entendeu que escrever é fácil. “Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final; no meio você coloca as ideias”, escreveu Neruda.
“E é assim que vai. Pega um tema e faz verso por verso”, explica. Não é incomum se ver pensando em algum tema e começar a colocá-lo no papel. “Às vezes vêm do nada. Você vê um verso e quando vê, sai uma coisa bonita.”
O poeta não tenta se limitar a qualquer tipo de fórmula ou ritual. Às vezes, uma simples mateada ou cavalgada tornam-se uma fonte de inspiração e, quando menos imagina, o poema está na sua cabeça. Basta, segundo ele, agrupar as palavras, compor os versos e completar o texto.
“Às vezes, é no lombo do cavalo, com o pé no estribo; vemos uma parte desse nosso Rio Grande que é tão bonito e rico. E, daí, pode sair uma bela poesia”, admite.
Bobi já conta com mais de 70 poemas, que abordam diversos temas, os quais vão além do Rio Grande do Sul e do tradicionalismo. Falam também sobre família, amor e saudades.
Prova do seu pluralismo é “O pedido de um rio”, no qual expressa seus sentimentos pelo Carijinho, que passa por Sobradinho. No livro Um olhar ao Sul, o poema é ilustrado por fotos das enchentes de 2024, evidenciando os estragos provocados pelas águas do rio.
Não faltam críticas às intervenções humanas que resultaram na catástrofe vista no ano passado. “Nós somos os culpados por esse abalo / É muito abandono e muita devastação / Nas suas várzeas lavoura ou construção / Matamos a beleza que veio de regalo”, aponta.
Para o poeta, a escrita é a oportunidade de se tornar, ainda que temporariamente, outra pessoa. “Tu podes ser um grande estancieiro ou um peão da estância. E pode materializar aquele sonho imaginário que só o verso te proporciona”, ressalta.
LEIA TAMBÉM: Rio Pardo realiza seminário de literatura em novembro
Patrão do CTG Galpão da Estância nas gestões 2014/2015 e 2024/2025, Bobi considera-se um tradicionalista de berço. Admirava a indumentária do pai, Seraphin Drachler, e tomou gostou pelo chimarrão por meio da mãe, Vera Lazzari Drachler.
Ainda criança, ele e os irmãos José Berto Drachler e Silvana Drachler começaram a colaborar nas patronagens. À medida que o tempo ia passando, envolviam-se cada vez mais, sempre agregando novos conhecimentos e desenvolvendo novas capacidades.
A participação de Bobi no Movimento Tradicionalista Gaúcho não se limita ao Galpão da Estância. Ele também participa da Confraria Cavaleiros da Serra e da Confraria Trancando o Garrão. “Assim, seguimos levando nosso amor pelo Rio Grande do Sul”, enfatiza o autor do livro.
LEIA TAMBÉM: Invernada Dente de Leite completa sete anos no CTG Lanceiros de Santa Cruz
O tradicionalismo, o nativismo e os temas gauchescos sempre tiveram forte acolhida nas artes e na cultura do Rio Grande do Sul, e isso de certo modo desde os primórdios das manifestações escritas e orais, e das visuais e do folclore. Desde os primeiros movimentos de ocupação e colonização das terras do então chamado “Continente”, as extensões a perder de vista que se situavam, para os portugueses, abaixo de Laguna e até as proximidades de Mar del Plata alimentaram o imaginário de quem, eventualmente, percorria essas paragens.
O livro do comunicador Robson Luiz Drachler, Um olhar ao Sul, a ser lançado na próxima sexta-feira, de certo modo é apenas a mais recente materialização de uma corrente de envolvimento afetivo e artístico com os tópicos que, em todo o Estado, ficam em primeiro plano na Semana Farroupilha, as comemorações alusivas ao 20 de setembro. Drachler manifesta a influência que exerceu sobre a sua caminhada a obra de outro mestre do tradicionalismo gaúcho, Jayme Caetano Braun, nascido em Bossoroca em 1924 (cujo centenário, portanto, foi comemorado no ano passado) e falecido em Porto Alegre, em 1999. Autor de Potreiro de guachos, entre outros, Braun é uma referência incontornável na cultura do Estado. Seja na poesia, seja na narrativa de ficção ou na música, é um autor que trouxe para o século 20 os elementos com os quais trabalhou, por exemplo, Hernández (1834-1886), em Martín Fierro, cuja publicação original é de 1872.
Ao lado de Braun, ao longo de todo o século 20, os leitores puderam apreciar a contribuição de um porto-alegrense cujo nome até hoje figura entre os mestres: Apparicio Silva Rillo (1931-1995), falecido em São Borja, cuja série de título Rapa de tacho informou gerações acerca dos temas mais fortes do universo pampeano. Suas crônicas e causos, mais ainda a sua poesia, posicionaram o nativismo na ordem do dia também no universo urbano, onde o telurismo, a nostalgia ou o saudosismo decorrente de um tempo de homens bravos, guerreiros e engajados projetava o Rio Grande do Sul no Brasil, para Portugal e para a Europa inteira.
LEIA TAMBÉM: Iniciativas tradicionalistas realizadas em Santa Cruz recebem moções de congratulações
Inúmeros outros compositores, poetas e cantadores podem ser mencionados, ainda mais no universo dos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) e dos festivais. Mas um em especial deve ser referido: Antônio Augusto Fagundes, o Nico, nascido em Alegrete em 1934 e falecido em Porto Alegre, em 2015. Apresentador de TV, comunicador prolífico, Nico tinha na pesquisa e na composição sua via de expressão para difundir o folclore, reavivar tradições e tornar o nativismo gaúcho mais conhecido do grande público em todo o País. Ele publicou Águas da minha terra em 2013, pela mesma Editora Gazeta que agora salienta Robson Drachler. No volume, suas letras mais conhecidas e sua poesia foram agrupadas para servir de inspiração para os gaúchos do século 21.
Em todos eles, pulsa o imaginário desde o tempo dos tropeiros paulistas, que cruzavam o Continente em todas as direções em busca de gado bravio, bem como dos portugueses, açorianos, espanhóis, castelhanos, índios das reduções jesuíticas, negros das charqueadas. E a estes se juntaram alemães, italianos e tantos outros imigrantes. Hoje, chamem-se Braun (sobrenome alemão), Rillo (italiano) ou Fagundes, todos cantam o Rio Grande, hábitos, costumes e tradições. E a eles se junta outro alemão, Drachler, para contar e o que nos faz essencialmente gaúchos. (Romar Beling).
QUER RECEBER NOTÍCIAS DE SANTA CRUZ DO SUL E REGIÃO NO SEU CELULAR? ENTRE NO NOSSO NOVO CANAL DO WHATSAPP CLICANDO AQUI 📲. AINDA NÃO É ASSINANTE GAZETA? CLIQUE AQUI E FAÇA AGORA!
This website uses cookies.