Eu era uma adolescente gordinha olhando o mar. Comigo, um grupo de meninas, as professoras e dois motoristas. A excursão escolar a Foz do Iguaçu dava direito, no retorno, a um dia em Camboriú. Uma Camboriú raiz, com ruas sem asfalto, barracas, um comércio tímido e meia dúzia de pequenos edifícios. Nessa vila que não existe mais, vi o oceano pela primeira vez.
Minhas lembranças daquelas horas se restringem ao cheiro da maresia e ao gosto de sal nos lábios. Insatisfeita com o próprio corpo e com os óculos de míope, eu encarnava toda a confusão possível aos 13 anos. E estar ali, longe da família, exposta em minhas inseguranças, não me ajudava em nada.
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É provável que esse começo melancólico explique o desinteresse pelo mar que me acompanhou maturidade adentro. E olha que eu tentei. Férias na praia, Natal na praia, virada de ano na praia, feriadão na praia… necas. Nem depois de adulta, com conflitos internos mais ou menos superados, eu conseguia me sentir feliz nessas incursões. Por fim, me conformei. “Essa coisa não é para mim.”
Em minha defesa, apelei para os aspectos sociais da empreitada. Afinal, o culto à praia é coisa recente. Até o século 18, quando surgiram na Europa os banhos com fins terapêuticos, ninguém pensava em beira-mar como espaço de lazer. Duzentos anos depois, o veraneio é resultado da cultura de massa e da indústria. Uma máquina poderosa que vende a praia como modelo de felicidade. Uma estética emocional produzida em larga escala para levar todos ao litoral. E lucrar, claro.
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Convencidas de que é preciso estar lá, as pessoas enfrentam a estrada e o cansaço para ficar dois dias e meio em Florianópolis. Juntam tios, primos, sogra e o cachorro e passam uma semana com toda a família em Capão. Fecham a casa em dezembro, tomam o rumo de Xangrilá, e só voltam depois do Carnaval. Ressurgem todas muito satisfeitas. E bronzeadas.
Mas, de uns tempos pra cá, minhas convicções anticapitalistas têm sofrido tentações. Comecei a achar que praia é mais um estado de espírito do que um lugar. Um estado de espírito transformado em negócio. Mas ainda estado de espírito. Pela minha cabeça penetrou a ideia de que, na praia, experimentamos uma espécie de suspensão temporária da vida cotidiana. Uma licença para sermos mais leves, livres, relaxados e espontâneos.
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E, quase destituída de minhas certezas, penso que talvez deva tentar de novo. Quem sabe agora, às portas da velhice, eu consiga apenas sentir o momento. E saborear o vento, os grãos de areia, a água, os gritos das crianças e o milho verde. Sem pressa.
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