ads1 ads2
GAZ – Notícias de Santa Cruz do Sul e Região

Tia Zeca e Madame Ágatha

Já andei escrevendo, em colunas anteriores, sobre a predileção que as gurias aqui de casa nutrem pelo teatro. Eventualmente, as três se trancam em um dos quartos, onde escrevem roteiros, decoram falas e montam figurinos sofisticados. E então, ao cabo de duas ou três horas de rigorosos ensaios, nos convocam para formar a plateia.

O público, invariavelmente, é formado por mim e pela Patrícia, às vezes também pelo irmão mais velho. As severas restrições à composição da plateia já vêm de antes da pandemia. A presença de gente de fora certamente iria tolher a liberdade criadora das artistas, que, portanto, só apresentam-se no âmbito familiar.

ads6 Advertising

Publicidade

XXX

Uma personagem onipresente nas peças encenadas é a Tia Zeca, uma criação da Yasmin que integra o núcleo cômico da modesta companhia teatral. Seu figurino é composto por um xale vermelho, que lhe cobre os cabelos e os ombros, e por imensos óculos sem lentes. Trata-se de uma senhorinha muito curiosa, magrinha e de voz esganiçada, que retorce os lábios, coça a cabeça e afina um dos olhos quando algo lhe causa estranheza. Estabanada, está sempre esbarrando em tudo e não raras vezes escorrega ao solo.

Até pouco tempo atrás, Tia Zeca detinha o status de protagonista nas encenações. Contudo, nesta semana surgiu na trupe uma rival à altura: Madame Ágatha, a vidente.

Publicidade

ads7 Advertising
XXX

Publicidade

Ocorre que Tia Zeca não é dada a muitas reflexões. Ansiosa, age por impulso para atender a seus desejos mais básicos – a curiosidade e a fome. E, durante a peça encenada nesta semana, teve muita fome. Providencialmente, encontrou sobre um banco uma cesta, onde jazia uma maçã. Devorou a fruta sem pestanejar, com tamanha ferocidade que a Patrícia, ignorando seu papel de mera espectadora, ralhou com a Yasmin, temendo que se engasgasse. Yasmin não se engasgou, mas Tia Zeca, a personagem, foi acometida por males terríveis. Caiu ao solo, teve convulsões e arrastou-se para os bastidores, longe de nossa visão. Certamente, a maçã estava enfeitiçada.

XXX

ads8 Advertising

Publicidade

– Vejam no que me transformei – lamentou. – Em um fantoche de meia… e justo com uma meia que cheira a chulé!

E qual foi a solução? Recorrer aos poderes de Madame Ágatha.

XXX

Publicidade

A vidente recebeu a pobre Tia Zeca junto a uma mesa coberta por uma toalha vermelha, adornada com temas natalinos – renas e papais noéis –, mas isso não vem ao caso, era a única toalha de mesa vermelha que havia em casa. Ao ouvir o relato do fantoche, concluiu que deveria consultar sua bola de cristal e puxou-a para cima da mesa. Mas, para surpresa da plateia, a bola de cristal era, na verdade, um rolo de papel higiênico.

– Foi o que deu para arrumar – justificou-se Madame Ágatha.

E então a vidente fechou os olhos, em profundo êxtase, passou as mãos sobre o rolo e recitou algumas palavras mágicas. Nisso, a toalha vermelha escorregou para fora da mesa e passou a planar diante da plateia. Até que, debaixo dela, emergiu a Tia Zeca, já em sua forma original, com o inconfundível xale sobre a cabeça.

– Voltei, voltei – comemorou Tia Zeca, efusivamente, balançando os braços de alegria e dando pulinhos, até escorregar e levar mais um de seus tombos.

E a plateia, enfim, foi ao delírio.

LEIA TODAS AS COLUNAS DE RICARDO DÜREN

ads9 Advertising

© 2021 Gazeta