Colunistas

Uma comovente homenagem ao pai

O próximo domingo está destinado às homenagens ao pai.  Aproveitando a efeméride, quero apresentar um livro que vale a pena conhecer. Às vezes, quando as pessoas nos perguntam sobre a importância da literatura, nem sempre conseguimos dar uma justificativa convincente. Quem é leitor, sabe que a melhor resposta está mesmo em meter os olhos e o coração dentro dos grandes textos. Lá é que se descobre o quanto o homem é capaz de criar e perceber a vida com uma visão absolutamente diferente daquela que o cotidiano teima em repetir. 

Motivado por amigos, fui ler Quase-memória, de Carlos Heitor Cony (1926-2018), um texto que provoca uma ímpar embriaguez afetiva e amorosa. O leitor flutua entre risos e lágrimas do início ao fim. Trata-se de uma indescritível homenagem que o autor presta a seu pai, num livro que oscila entre crônica, autobiografia, memória, ou, como define o próprio Cony, é um quase-romance. 

Um fato singular desencadeia a narrativa. O narrador acabara de almoçar no Hotel Novo Mundo, no Flamengo, quando, ao passar pela portaria, foi-lhe entregue um pacote. De início, não deu muita importância, mas sem demora reconheceu a presença do pai no embrulho: o nó perfeito, a letra inconfundível, o cheiro, tudo era coisa do pai. Ficou atordoado: como podia ser isso se o pai morrera dez anos antes? 

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Dirige-se ao seu escritório, fecha a porta e, então, sabendo da presença misteriosa, reconstrói todos os grandes e marcantes momentos que passaram juntos enquanto vivia o pai, Ernesto Cony Filho. Até numa certa ordem cronológica, o leitor é conduzido a todos os espaços, a todas as incríveis aventuras, a todos os mais pungentes sofrimentos, numa história que vai do cômico ao dramático, capturando-o intensamente. 

A exemplo do filho, também o pai era jornalista. Por essa razão, é dado ao leitor passar por boa parte da história do jornalismo brasileiro, sua consolidação, suas grandes crises, seu grande poder, suas maquinações e, por fim, sua modernização, que significou o afastamento de legendárias figuras que por muitas décadas escreveram, dia a dia, a história deste País. Entre os demitidos do Jornal do Brasil, está Ernesto Cony. 

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Diante do embrulho, o narrador revive os grandes momentos que viveu com o pai. O pacote é apenas pretexto para essa comovente viagem à memória do pai próximo, do pai a montar cuidadosamente os balões de São João, os nós perfeitos, do pai com suas loucuras de fabricar perfumes ou criar galinhas e jacarés (a mãe dizia que eram lagartos), do pai desempregado vendendo rádios e antenas, do pai narrador fantástico e criativo de suas próprias enrascadas, do pai ensinando as primeiras letras, a reconhecer os pontos cardeais, do pai que viajava sem sair de casa, o seu lenço, a sua gravata, o seu chapéu, o pai , sobretudo, da grande frase repetida em todas as circunstâncias: “Amanhã farei grandes coisas!”.

A ansiedade por abrir o pacote aos poucos vai diminuindo, torna-se desnecessária, uma vez que as lembranças vivas do pai vão se intensificando, os momentos de amorosa convivência voltam a povoar a imaginação do narrador. Abrir por que se tudo fora maravilhoso? Era uma mania do pai: soubesse de alguém que fosse viajar, e já preparava um pacote para enviar a um conhecido da terra a ser visitada. 

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A propósito, está aí a Feira do Livro. Vai lá e presenteia a ti mesmo com uma linda história!

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Karoline Rosa

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Karoline Rosa

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