Agronegócio

As lições que ficaram depois da COP-11: mobilização do setor deve ser mantida

A comitiva de representantes do setor produtivo e industrial do tabaco retornou de Genebra, na Suíça, onde entre os dias 17 e 22 de novembro aconteceu a 11ª Conferência das Partes (COP-11) da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT), com uma constatação, que se traduz em inquietação: há uma longa tarefa de casa a cumprir no Brasil. Tudo porque na prática a delegação do governo brasileiro costuma ir a cada edição da conferência como protagonista na adoção de novas ações e/ou de novas políticas que se colocam contra o tabaco.

Nesse sentido, a COP-11 constitui um exemplo clássico dessa manobra. No período que antecedeu a conferência, líderes de entidades identificadas com a cadeia produtiva buscaram de todo modo alguma sinalização do governo federal sobre quais seriam as posições a serem levadas a Genebra. Os ministérios e os organismos públicos nunca repassaram qualquer informação.

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Já na véspera do evento, a secretária executiva da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro (Conicq), Vera Luiza da Costa e Silva, que já foi a chefe do secretariado geral da CQCT, trouxe algumas indicações do que poderia ocorrer. Via imprensa, ela revelou que o País proporia um programa de financiamento a produtores que quisessem adotar alternativas à cultura do tabaco, e ainda a proibição do uso do filtro no cigarro convencional.

A primeira dessas propostas já ganhou contornos nessa semana. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar anunciou que estava instituindo a Política Nacional de Alternativas em Áreas Cultivadas com Tabaco (PNACT) e o Plano Nacional de Alternativas em Áreas Cultivadas com Tabaco (Planact). Ou seja, uma semana depois de encerrada a COP-11, o governo federal já apresentava uma nova política diretamente em sintonia com a proposta que a delegação levara a Genebra.

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Se por um lado essa nova ação se apresenta com o propósito de “articular, integrar e promover políticas, programas e ações indutoras para desenvolvimento de alternativas sustentáveis aos agricultores produtores de tabaco”, por outro logo revela a sua perseguição escancarada (e pouco constrangida) a um setor formal e sujeito às leis e aos princípios legais: “a adoção de mecanismos de proteção da interferência da indústria do tabaco”.

A grande questão, dentro do Brasil, na avaliação de lideranças da cadeia produtiva, é a amplitude e a abrangência que o governo brasileiro dá ao termo “indústria”. Na concepção da Conicq, ele vale tanto para os produtores rurais quanto para as empresas, para a imprensa do Sul do Brasil, secretários estaduais identificados com o agro e deputados estaduais e federais, prefeitos e vereadores. Para a Conicq, todos são indústria.

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Na avaliação do presidente da Associação dos Municípios Produtores de Tabaco (Amprotabaco), Gilson Becker, fica muito difícil encontrar alguma coerência em qualquer política ou plano que se orienta ou se rege por tal amplitude, e com as restrições a partir dela decorrentes.

Por outro lado, o presidente da Câmara Setorial Nacional da Cadeia Produtiva do Tabaco, Romeu Schneider, também vice-presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), enfatiza que o governo brasileiro tem uma postura muito diferente daquela assumida por outras nações produtoras de tabaco. Enquanto estas, ainda que acompanhem a COP, negam-se a implementar políticas que possam interferir na produção de tabaco, o Brasil logo assume a linha de frente na criação de restrições ou de leis que afetam o setor e o mercado.

Uma inadiável tarefa de casa

Um dos líderes do agro, o vice-presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Romeu Schneider, é convicto ao avaliar que há, pela frente, um longo trabalho a ser feito junto ao Poder Executivo no Brasil a fim de obter um melhor tratamento para as demandas dessa atividade. Ele acaba de ser confirmado para mais um mandato como presidente da Câmara Setorial Nacional da Cadeia Produtiva do Tabaco, instância vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em reunião desse organismo realizada na última terça-feira, 2.

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O encontro dos integrantes da câmara, pouco mais de uma semana após o encerramento da 11ª Conferência das Partes (COP-11) da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, e na semana seguinte à 4ª Reunião das Partes (MOP-4) do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco, serviu para fazer avaliação desses dois eventos. Schneider estivera em Genebra, na Suíça, durante a COP-11 para acompanhar de perto as tratativas, integrando a comitiva de representantes do setor. Das 183 nações que ratificaram a convenção, 160 enviaram delegações oficiais à Suíça.

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Ele entende que movimento no âmbito do Poder Legislativo, junto à Câmara dos Deputados, com o esforço de representantes das regiões produtoras de tabaco, não está surtindo efeitos positivos. A Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro (Conicq) tem sido irredutível em sua postura, e ela responde diretamente ao governo federal.

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“Em Genebra, até mesmo o embaixador brasileiro Tovar da Silva Nunes, nos encontros que tivemos com ele, deixou claro que a ordem vem de Brasília, sobre como proceder, o que dizer, o que fazer. Ou seja, é lá que precisaremos apresentar argumentos e defender nossos interesses”, frisa.

Uma das medidas tomadas pela Câmara Setorial, nesta que foi a sua última reunião de 2025, é a criação de um Grupo de Trabalho (GT) que terá por tarefa levantar minuciosamente (a fim de tê-los atualizados, e reafirmados) todos os aspectos econômicos e financeiros de dentro e de fora da porteira, que evidenciam a importância social do tabaco. “Vamos levantar cada item relacionado com a produção, desde o momento da semeadura até o transporte da safra e a comercialização.”

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O coordenador desse GT será o atual segundo-tesoureiro da Afubra, Benício Albano Werner, e o banco de dados da própria entidade, utilizado na definição dos custos de produção de cada safra, será uma das bases nesse procedimento. Além disso, deverão ser levados em conta as estatísticas e o histórico em poder do Sindicato Interestadual das Indústrias do Tabaco (SindiTabaco), que, por sua vez, em nome das empresas do setor, também realiza um levantamento próprio de toda a socioeconomia dessa atividade.

Schneider comenta que uma de suas intenções era contar com a presença, na reunião de terça-feira, do engenheiro agrônomo e auditor fiscal federal agropecuário Gustavo Firmo Araújo, que esteve na delegação oficial do Brasil em Genebra como representante indicado pelo Mapa. No entanto, no período imediatamente após a MOP-4, Firmo ainda se encontrava na Europa, e não pôde se fazer presente no encontro da Câmara Setorial. Mas ele encaminhou um detalhado relato das atividades realizadas em nome do Mapa nos eventos na Suíça.

Um tema repercutido na Câmara Setorial foi a portaria divulgada no início da semana relacionada ao plano de diversificação para áreas produtoras de tabaco. Schneider lembra que se trata de tentativa de reativar ação anterior, o Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco, lançado em 2005, e que então se mostrou ineficiente.

“Agora dizem que a adesão do produtor será voluntária. Resta saber se, uma vez que a palavra é diversificação, e não substituição, o tabaco será uma das culturas no leque de alternativas. Afinal, as propriedades que produzem tabaco já são historicamente diversificadas, sendo sempre o tabaco a atividade que proporciona a principal renda”, explica.

Cerca de 160 das 183 nações que ratificaram a Convenção-Quadro estiveram presentes na COP-11 | Foto: Romar Beling

Amprotabaco pretende mobilizar os municípios

Quem também retornou de Genebra convicto de que o setor produtivo do tabaco tem um “dever de casa” a realizar em âmbito de Brasil é o prefeito de Vera Cruz, Gilson Becker. Ele esteve na Suíça representando tanto o seu próprio município, para o qual a produção dessas folhas é muito relevante na socioeconomia, quanto em nome da Associação dos Municípios Produtores de Tabaco (Amprotabaco), da qual é o presidente, na gestão do biênio 2025/26.

Becker esteve presente pela primeira vez, como integrante da comitiva de lideranças do setor, no ambiente de uma Conferência das Partes. Assim, também vivenciou a experiência de não ser admitido ao centro de convenções para acompanhar qualquer das atividades oficiais do evento, a exemplo do que ocorreu com as demais autoridades e a imprensa vindas de região identificada com o tabaco.

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O prefeito menciona que, de certo modo, houve um retrocesso em relação a edições anteriores, pois desta vez a comitiva nem sequer teve contato ou pôde conversar com membros da delegação do governo brasileiro. “Não fosse o embaixador brasileiro em Genebra, Tovar da Silva Nunes, ter se determinado a nos receber e a nos informar sobre o avanço das tratativas na COP-11, e nada teríamos podido acompanhar”, ressalta.

Lembra que o próprio embaixador admitiu que tivera orientações expressas de não atender a comitiva, e, no entanto, o fez por constatar que havia no grupo deputados federais, integrantes de um poder público federal.

Conforme Becker, ainda em Genebra ele próprio tomou a decisão de se determinar a ampliar a mobilização de todos os prefeitos, nos diversos estados brasileiros, de municípios identificados com o tabaco. Na região Sul, foram 525 localidades produtoras dessas folhas na safra 2024/25 (cerca de 10% da totalidade dos municípios no País). Além dele, outros dois prefeitos estiveram em Genebra: o de Venâncio Aires, Jarbas da Rosa; e o de Mafra (SC), Emerson Maas. A expectativa de Becker é que se consiga ampliar significativamente a adesão em futuras atividades em nome da Amprotabaco, seja em âmbito de Brasil, em audiências públicas regionais ou estaduais, seja nas diretamente relacionadas com uma Conferência das Partes.

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Além do empenho junto a outros prefeitos, Becker espera que Santa Catarina e Paraná possam se engajar com mais ênfase nas ações, tendo em vista a forte expressão que o tabaco hoje tem para a economia de ambos. É o que ele pretende debater com seus dois vices dessas unidades da federação, o próprio Maas, em Santa Catarina, e a prefeita de São Mateus do Sul, no Paraná, Fernanda Saldanha (o vice no Rio Grande do Sul é Paulo Joel, de Boqueirão do Leão).

Na projeção feita por Becker, a Amprotabaco pretende mobilizar ao menos 150 prefeitos, para expressar, perante todos os poderes e a sociedade, a voz dos mandatários municipais em defesa do tabaco. “Na COP, na Convenção-Quadro, e mesmo na Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro (Conicq), no Brasil, já se viu que não haverá qualquer espaço para expor a pluralidade dos pontos de vista sobre a importância dessa atividade. Então, nos resta buscar atenção para nossas demandas pela via da força política, alertando para a legitimidade de nossos argumentos”, frisa.

Conforme Becker, devido à complexidade das agendas e dos compromissos de cada município na reta final de ano e no início de um novo período, a tendência é de que as primeiras reuniões mais efetivas ocorram nos primeiros meses de 2026. “Logo após a volta de Genebra, já tive algumas primeiras conversas com a diretoria, e vamos intensificar esses trabalhos ao longo do ano que vem”, informa.

Além da representação no Sul do Brasil, Becker pretende fazer um movimento mais forte de aproximação com a cadeia produtiva de tabaco no Nordeste, em especial na Bahia, onde o cultivo das variedades de folhas escuras é histórico e relevante. O presidente da Amprotabaco recorda que Alagoas e São Paulo ainda mantêm produção significativa de folhas direcionadas para charutos, cigarrilhas, tabaco de rolo ou picado, ou outras formas de consumo. “Vamos buscar mobilizar e engajar todos os municípios, de todas as regiões, no esforço de fazer ouvir a nossa voz junto ao governo.”

Auditório principal da COP-11, em Genebra: países debateram no evento meios de inibir o tabagismo | Foto: Romar Beling
Comitiva de lideranças e autoridades, entre as quais deputados federais e estaduais, representou setor produtivo e industrial do tabaco em Genebra, na Suíça | Foto: Romar Beling

O tamanho do desafio

O presidente da Câmara Setorial Nacional da Cadeia Produtiva do Tabaco, Romeu Schneider, aponta um desafio de vulto que, em seu entender, o plano de diversificação para áreas produtoras de tabaco lançado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar tende a ter na realidade do meio rural. Das 138 mil famílias que cultivaram tabaco na safra 2024/25 no Sul do País, cerca de 38 mil não possuem terra própria. Eles atuam como meeiros ou arrendatários, plantando tabaco em propriedades de terceiros, e, no entanto, obtendo dessas folhas a renda para a sua subsistência.

Schneider questiona como o MDA (ou o governo federal) pretende promover a diversificação junto a esse contingente de agricultores, se eles ainda não têm área de terras a partir da qual tomar a decisão (“voluntária”) de fazer a diversificação. “Essas iniciativas são todas bonitas na teoria, mas na prática envolvem uma complexidade muito grande”, enfatiza.

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Schneider aponta que desde os primórdios a diversificação de fontes de renda na pequena propriedade foi um dos pilares da criação da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). “Os pioneiros criaram essa entidade com a finalidade de estabelecer um revolucionário sistema mutualista, um seguro contra o granizo, que causava muitos prejuízos aos agricultores, e ainda de promover a diversificação”, observa. “Não por acaso, organizamos a Expoagro Afubra, hoje um dos principais eventos do agro nacional, com a meta de prospectar fontes de renda na pequena propriedade. Se o MDA viesse conhecer essas ações, saberia muito bem sobre a realidade da diversificação na região produtora do tabaco.”

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Romar Behling

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