Defensoria Pública atendeu 2,5 mil casos de violência doméstica em um ano na região; veja como denunciar

Os poucos cabelos que restaram são branquinhos. O semblante ainda é de tristeza, mas o olhar já mostra alívio e esperança. Vítima de maus-tratos pela própria filha, a senhora de 63 anos foi resgatada e amparada pela Justiça e 6ª Defensoria Pública de Santa Cruz. A situação era grave.

Na audiência no início deste mês, ela chegou em cadeira de rodas, com a saúde debilitada e muito emocionada, chorando a todo momento. A filha, que deixou a mãe sem comida e em situação de abandono, foi presa por alguns dias, mas já está em liberdade. No entanto, não pode se aproximar da mãe. “A filha arrancava tufos de cabelo. Em certa ocasião, deixou a mãe três dias sem comer, até que ela conseguiu se arrastar e pegar um pedaço de pão. E quando foi resgatada, a partir de uma denúncia de vizinhos, saiu carregada e de Samu. Era uma situação muito delicada”, conta o defensor público Renan Angeli.

Ele é responsável pela unidade especializada no atendimento à vítima de violência doméstica e feminicídios da Defensoria Pública de Santa Cruz do Sul, instalada em março de 2024 e que abrange ainda Herveiras, Passo do Sobrado e Sinimbu. Na unidade, Angeli conta com o auxílio de duas estagiárias, um assessor jurídico e uma analista processual.

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O defensor é responsável pela unidade desde maio de 2024. No entanto, já atua na área há mais de sete anos, acumulando passagens por Venâncio Aires, Sobradinho e na própria Defensoria de Santa Cruz antes da implantação da unidade especializada.

Apesar de vivenciar situações delicadas diariamente, segundo ele, são fatos dessa envergadura que impactam. “Marca muito por ser uma relação de filha e mãe; e que a gente não espera enfrentar. Mesmo que estejamos acostumados a receber diversos casos diariamente, não tem como não se sensibilizar em determinadas situações.”

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Depois da audiência, sob orientação do defensor, a idosa foi instruída a buscar o apoio da Defensoria para resolução de outras situações que envolvem sua realidade. Ela é uma das vítimas dos 2.484 processos distintos que tramitaram na 6ª Defensoria nos últimos 365 dias. Nesse período foram 3.658 intimações, mais de 370 por mês. Desde janeiro deste ano até semana passada houve 347 audiências no juizado da violência doméstica.

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“Com o tempo, a gente vai ficando marcado porque são situações graves. Enfrentamos de tudo, tem aquelas que não são tão graves, mas envolvem violência. Também muitas vezes se chega na audiência e a vítima não pretende dar andamento ao caso”, conta. Na tarde da última quarta-feira, Angeli realizou sete audiências de acolhimento (momento de escuta das vítimas após deferimento das medidas protetivas). Destas, em quatro as mulheres pediram revogação das medidas protetivas.

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Renan Angeli: Defensoria de Santa Cruz soma cerca de 2,5 mil casos em um ano | Foto: Rodrigo Assmann

Como funciona

  • A vítima procura a Delegacia de Polícia para efetuar o registro acerca da violência sofrida.
  • A ocorrência é encaminhada para a Justiça, que em 48 horas defere ou não o pedido de medida protetiva.
  • Esta é encaminhada para a Defensoria Pública, que faz a escuta da vítima em audiência preliminar junto ao Poder Judiciário e Ministério Público.
  • Em paralelo, no âmbito criminal, o caso segue em andamento na Delegacia de Polícia, onde o agressor é indiciado ou não.
  • Mesmo em situação de arquivamento na polícia, as medidas protetivas concedidas pela Justiça podem continuar em vigor.

25 de novembro

O Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher foi escolhido para lembrar as irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa). Elas foram assassinadas pela ditadura de Leônidas Trujillo na República Dominicana em 1960. Em março de 1999, o 25 de novembro foi reconhecido pelas Nações Unidas (ONU) para combater a violência contra a mulher. A data também marca o início dos 16 dias de ativismo contra a violência de gênero, que terminam em 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos.

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“Não existe só a violência física”

Apesar das desistências, o defensor público Renan Angeli reforça que esse comportamento não significa falta de violência e sim a fragilidade que envolve a dinâmica dos relacionamentos abusivos. “Não existe só a violência física. Há a psicológica, a moral, a patrimonial. Muitas vezes a vítima depende financeiramente do agressor, ou teme por seus filhos. Então ela volta atrás porque está vulnerável, não porque o fato deixou de existir.”

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É justamente nesse ponto que a Defensoria Pública se torna essencial. O órgão atua como o primeiro porto seguro para mulheres que, em meio ao medo e ao trauma, encontram orientação jurídica, acolhimento e também proteção.

Na unidade especializada, o defensor e sua equipe acompanham desde o pedido inicial de medida protetiva até o encaminhamento para a rede de apoio. “Nosso papel não é só conduzir o processo. É garantir que a vítima saiba o que está acontecendo, quais são seus direitos e quais caminhos ela pode seguir.”

Além disso, o defensor enfatiza que outras situações das vítimas são acompanhadas e resolvidas, dentro do alcance do órgão. “Elas são titulares de direito e muitas não se dão conta disso. Então podem voltar para entrarmos com uma ação de divórcio, por exemplo.”

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E o volume de trabalho comprova a necessidade do serviço. As quase 2,5 mil demandas que chegaram à Defensoria nos últimos 12 meses revelam não apenas a persistência da violência doméstica na região, mas também o crescimento da busca por ajuda. Para o defensor, esse aumento tem dois lados: evidencia o tamanho do problema, mas também demonstra que mais mulheres estão rompendo o silêncio.

A Defensoria tem outro papel crucial: atuar para que as medidas protetivas sejam efetivas. “O sistema funciona, mas precisa de vigilância constante. Muitas vezes somos nós que cobramos o cumprimento, monitoramos a situação, pedimos reforço quando percebemos risco de repetição da violência”, observa Angeli. Ele lembra que, em vários casos, o acompanhamento próximo da Defensoria Pública, Ministério Público, Poder Judiciário e demais integrantes da rede protetiva é o fator que impede que agressões evoluam para crimes mais graves, inclusive feminicídio.

Mesmo com o impacto emocional que cada caso provoca, Renan Angeli reafirma o compromisso da instituição com as vítimas. Para ele, o atendimento especializado, criado em Santa Cruz no ano passado, reforça a importância de um olhar técnico e sensível.

Principais situações

  • Ameaça
  • Lesão corporal
  • Vias de fato
  • Perseguição

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Guilherme Andriolo

Nascido em 2005 em Santa Cruz do Sul, ingressou como estagiário no Portal Gaz logo no primeiro semestre de faculdade e desde então auxilia na produção de conteúdos multimídia.

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Guilherme Andriolo

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