Santa Cruz do Sul

Filha diz que morte do pai foi por negligência no atendimento na rede pública de saúde de Santa Cruz

A morte de um homem no dia 27 de maio resultou em um registro de ocorrência policial. O motivo teria sido o atendimento prestado na rede pública de saúde de Santa Cruz do Sul. Segundo a santa-cruzense Fernanda Mayara Henkes, seu pai, Cláudio Miguel Henkes, 61 anos, morreu por negligência. O caso está sendo investigado pela Secretaria Municipal da Saúde.

Fernanda conta que no início de abril, Cláudio teve um mal-estar que foi classificado como virose em razão da dificuldade de alimentação, fraqueza e diarreia ocasional. Com isso, ele perdeu peso.

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Fernanda procurou a Unidade Básica de Saúde Jacob Schmidt, do Bairro São João, onde mora. Mesmo com direito a atendimento prioritário, por ter mais de 60 anos, ser pré-diabético (com manutenção dos indicadores) e hipertenso em tratamento, conseguiu consulta com o clínico-geral apenas para 2 de junho.
Se não tivesse falecido, alerta a filha, Cláudio precisaria ter esperado ainda mais tempo. Ela obteve cópias de mensagens encaminhadas para outros pacientes do bairro dizendo que a UBS estaria sem médicos e sem a perspectiva de reposição, pois a profissional que trabalhava no local teve seu contrato concluído.

“Quando vi a consulta para o dia 2, quando meu pai não estava mais vivo, percebi que a gente não vale nada. Outras pessoas tinham atendimento marcado para aquele dia, mas foram canceladas, porque não havia profissional. Mesmo que estivesse vivo, não seria atendido”, lamenta.

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Na UBS, Fernanda solicitou um hemograma para verificar se havia necessidade de reposição da vitamina B12, o que, segundo ela, adiantaria a situação até o dia marcado para a consulta (2 de junho). Não conseguiu. Em uma segunda tentativa de encaixe na agenda da médica, foi orientada a procurar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Foi na central, dia 14 de maio.

A equipe da UPA fez a triagem e, na verificação da pressão arterial, registrou oito por cinco. “Como um hipertenso tem pressão tão baixa? Ficou evidente que algo estava errado”, diz. Recebeu o retorno de que deveria voltar a procurar a UBS do bairro, pois o caso não era uma urgência – característica de quem é atendido na UPA. Na ocasião, o homem recebeu soro e a receita para um estimulador de apetite.

Investigação do caso está em andamento

O caso já está sob investigação na Secretaria de Saúde de Santa Cruz do Sul. Procurada pela reportagem, a pasta confirmou que o registro chegou por meio da ouvidoria e foi encaminhado às áreas técnicas para apuração. De acordo com a Secretaria, a entrada no setor ocorreu no dia 9 de junho.

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Na resposta enviada à Gazeta do Sul, a Saúde traz o histórico do atendimento relatado pela família, que procurou a UPA Central no dia 14 de maio. No local, segundo a nota, Cláudio Henkes foi medicado e orientado a continuar o tratamento na unidade de referência.

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Como o quadro persistiu e os sintomas pioraram, o paciente foi levado ao plantão do Hospital Santa Cruz. No local, foram realizados exames que levaram a um diagnóstico inicial de patologia oncológica. Diante disso, teria sido solicitada transferência ao Hospital Ana Nery, onde foram identificadas “lesões intra abdominais, sugestivas de neoplasia metastática (carcinomatose)”.

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Cláudio morreu no dia 27 de maio. A Secretaria lamentou o ocorrido. A pasta afirmou que após a conclusão das apurações internas, o resultado será informado à família e aos prestadores de serviços do SUS citados.

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Questionada a respeito da reposição do profissional na UBS Jacob Schmitt, a Saúde informou que o serviço “opera com quadro reduzido de profissionais, em razão do encerramento de uma série de contratos temporários de médicos de saúde da família”.

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Além disso, afirmou que tem feito contratações para repor o efetivo a fim de normalizar o atendimento o mais breve possível. “É importante ressaltar que a substituição não é imediata devido a todo o trâmite legal imposto que necessita ser superado”, informou a Secretaria.

Diagnóstico

Sem melhora, a família foi ao Pronto-Atendimento do Hospital Santa Cruz (HSC) no dia 19 de maio. Ao ouvir todo o relato, o médico pediu hemograma e raio X. Os exames, disse a filha, apontaram alteração. A ecografia motivou o encaminhamento para o setor cirúrgico. “O médico disse que ele tinha uma mancha no fígado, mas o exame não precisava o que poderia ser”, recorda.

Ao saber do histórico de câncer na família de Cláudio, o profissional solicitou uma tomografia, que comprovou a metástase (presença do câncer em diferentes órgãos). Ele seria transferido para o Hospital Ana Nery, referência em atendimento oncológico.

Até dois dias após o ingresso no HSC, isso não havia acontecido. O Ana Nery já tinha dado o aceite, segundo Fernanda, mas a transferência não foi liberada. Foi preciso esperar até o meio da tarde do dia 21. Enquanto isso, Cláudio aguardava na sala de observação, sentado. “Às 16 horas solicitaram a transferência; às 16h16 a Saúde confirmou que estaria a caminho, no aguardo apenas de uma enfermeira; eram 18 horas e não tinham chegado”, recorda.

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Fernanda conta que o pai mal conseguiu se movimentar, porque estava inchado depois de tanto tempo sentado. A ambulância não tinha cinto na parte de trás, onde os familiares acompanham o paciente. No Ana Nery, no entanto, contou com amparo social e psicológico, mesmo sendo pelo SUS.

No dia 27 de maio, Cláudio faleceu – cinco dias antes da data em que foi marcada sua consulta na UBS. O assunto virou pauta na Câmara, tendo sido citado pelo vereador Professor Cleber (União Brasil). Ele comentou ter falado com o secretário de Saúde, Rodrigo Rabuske, que confirmou a apuração de eventuais responsabilidades sobre o caso.

“Tem que ter acesso a uma consulta em vida, rápida e com qualidade. Só dão um jeito quando não tem mais alternativa. Não tem cabimento alguém esperar mais de dois meses por uma consulta com clínico”, comenta Fernanda.

Tempo de espera

A Gazeta do Sul solicitou informações acerca do tempo de espera para consulta com clínico-geral para pessoas com 60 anos ou mais. Segundo a resposta enviada pela Saúde, esse prazo varia conforme cada unidade e situações pontuais, como a ocorrida na UBS Jacob Schmitt, podem impactar o aumento do prazo.

“No entanto, importante salientar que em casos de queixas agudas ou necessidade de atendimento com maior brevidade, a orientação é que o paciente procure a Unidade de Saúde de sua referência, onde será avaliada a necessidade de encaixe ou agendamento prioritário conforme a gravidade da situação, passando todos por acolhimento da equipe”, diz a nota.

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Marcio Souza

Jornalista, formado pela Unisinos, com MBA em Marketing, Estratégia e Inovação, pela Uninter. Completo, em 31 de dezembro de 2023, 27 anos de comunicação em rádio, jornal, revista, internet, TV e assessoria de comunicação.

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