Em visita a sua terra natal, Aidir Parizzi, radicado na Inglaterra, aproveitou para rever a Catedral
Em uma sexta-feira ensolarada da primavera de 1979, eu me preparava para a primeira comunhão e cheguei cedo às salas de catequese da catedral São João Batista. Enquanto esperava, ao lado do antigo pavilhão da diocese, surgiu dos fundos da antiga residência dos padres, em sua indefectível batina preta, Dom Alberto Etges. O primeiro bispo de Santa Cruz me cumprimentou carinhosamente, olhou para o céu e disse: “Que dia abençoado. Oxalá continue assim”.
Perguntei então: “Dom Alberto, o que é oxalá?” Com sua calma característica, ele me explicou: “A palavra vem de uma expressão árabe, wa shaa Allah, que quer dizer ‘queira Deus’. É uma das muitas heranças da presença moura na Península Ibérica. Independentemente de como o chamamos ou da forma com que o veneramos, Deus é sempre o mesmo”. Naquele momento, não compreendi plenamente o que o bispo dizia, mas nunca esqueci suas palavras. Essa breve conversa retorna sempre à minha mente quando reflito sobre outras crenças e diferentes denominações religiosas.
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Voltar a Santa Cruz é reviver memórias como essa – muitas delas profundas e significativas. Ao retornarmos à cidade natal, dialogamos com as pessoas e com as histórias, mas também com ruas, praças, igrejas, sabores e sons.
Nos caminhos do mundo, adotei outras pátrias – por mim e por meus filhos, nascidos no outro lado do Atlântico. Cidades e países mudam constantemente; porém, a terra onde fomos criados, ainda que se torne estrangeira em alguns aspectos, permanece como a deixamos em nosso espírito. A estrada para casa mais intensa sempre foi a que me leva a Santa Cruz, onde revivo histórias, me reencontro e me reconheço.
Em Santa Cruz, viveram (e vivem) pessoas pelas quais guardo a mais profunda gratidão: a família, os amigos de longuíssima data, os professores que foram cruciais para definir meu rumo, e aqueles que me marcaram com tantos exemplos de humildade, desprendimento e dignidade. Peço sempre que eu nunca me torne duro a ponto de não mais reconhecer aqueles que caminharam comigo – os que foram solícitos e gentis sem interesse, e os que confiaram em mim. Reconhecimento e gratidão também são pilares do autoconhecimento, pois nos revelam quem somos e para onde estamos indo.
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Há vários anos, uma amiga psicóloga me perguntou: “Com tantas viagens e mudanças, é possível que estejas fugindo de alguma coisa?” Pensei por alguns instantes e respondi que as mudanças sempre tinham sido motivadas por razões profissionais, e que me sentia confortável com as transições. Sinto que são, isso sim, uma busca. Para mim, fuga seria negar o impulso de conhecer pessoas e lugares. Mais adiante, ao estudar a árvore genealógica da família paterna, percebi que as últimas treze gerações foram formadas por imigrantes. Nenhum de meus antepassados morreu na região onde nasceu, e tudo indica que eu e meus dois filhos, ambos nascidos na Escócia e hoje vivendo em outro país, continuaremos essa saga.
Ao longo da jornada, surgiu naturalmente o desejo – ou melhor, a necessidade – de escrever sobre o que eu aprendia e vivia, como uma espécie de restituição. Deixar que as experiências desapareçam ou permaneçam somente em mim seria um egoísmo atroz. Para que as pessoas que encontro e as histórias que elas dividem comigo sejam homenageadas, é preciso compartilhá-las, projetando no presente e no futuro a experiência e o aprendizado.
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