Foto: Vanessa Behling
Há 29 anos, nascia em Santa Cruz do Sul um projeto de água tratada para suprir as necessidades da população urbana com instalações de rede pública.
A premência e a atitude empreendedora e resolutiva de muita gente e de lideranças, o afinco das instituições, o debate público e as próprias polêmicas contribuíram para a consecução dessa ação, considerada por alguns a “obra do século”.
Mas não se pode ignorar algumas questões não resolvidas e que ainda são motivo de preocupação, como o impacto do Lago Dourado nos níveis de enchentes que incidem sobre a Várzea e com os piscinões implantados em 2008. Mas, principalmente, a suficiência para a demanda, que cresce a cada ano. Essa é uma das preocupações do atual prefeito Sérgio Moraes, que, junto à Corsan, busca a realização de um estudo para sanar essa dúvida e, se necessário, já pensar em alternativas.
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Não seria necessária uma atenção especial ao Rio Pardinho, de onde provém a água reservada no lago? Sua proteção, nas mais diversas formas, é crucial para que se disponha do precioso líquido.
O fato é que tanto o Rio Pardinho quanto o reservatório, hoje um dos principais cartões- postais de Santa Cruz, são bens que precisam de cuidado, não somente do poder público, mas também da população, que usufrui dos espaços inclusive para lazer.
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A cada vez que abrimos a torneira, deveríamos reverenciar o valente e generoso Rio Pardinho. É a partir dele que 58 mil imóveis de Santa Cruz do Sul contam com água tratada 24 horas por dia. Se a falta dela ocorre esporadicamente, não é por insuficiência do recurso hídrico no reservatório Lago Dourado, atualmente denominado de Lago Prefeito Telmo Kirst, situado entre a RS-409 e BR-471, na região do Bairro Várzea. A área de 228,43 hectares foi destinada para estrutura de acumulação de água em 1996.
A implementação do reservatório, há 29 anos, resultou de um histórico de estiagens, da demanda crescente e qualificada por água na maior cidade do Vale do Rio Pardo. Antes disso, a cidade contou com reservatórios no atual Parque da Gruta, no Cinturão Verde; na Chácara das Freiras; e outro junto ao Cemitério Católico, na Rua Thomaz Flores. Em 1949 começou a instalação da estação de tratamento na Rua da Pedreira, existente até hoje.
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A Companhia Rio-Grandense de Saneamento (Corsan) assumiu, a partir de convênio do município com o Estado, o abastecimento e o saneamento em 1965. A água passou a ser captada diretamente do Pardinho. No entanto, em dezembro de 1995, forte estiagem deixou o leito do rio seco. O cenário foi determinante para a busca por outra solução. Telmo Kirst, na época secretário estadual de Obras, encabeçou o projeto, que foi lançado em 1996 e teve sua primeira etapa inaugurada em 1998. A estrutura total de captação e adução foi colocada em funcionamento no ano 2000.
Desde então, o espaço garante água tratada e suficiente para a área urbana. Além da importância para a bacia hidrográfica, com o passar dos anos, desde 2008, o lugar tem se tornado cada vez mais espaço de lazer da comunidade e ponto turístico. A infraestrutura permite a prática esportiva de caminhada, pedalada, corrida e beach tennis; conta com pracinha, academia ao ar livre, estacionamento e bicicletas compartilhadas, atraindo muitos frequentadores.
Um projeto de iluminação no entorno do lago, no percurso de seis quilômetros, está sendo executado pela Prefeitura para garantir mais segurança aos praticantes de atividades físicas. Ao todo, serão 233 postes, direcionados para o espelho d’água e para a pista. O cercamento do local também está previsto.
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Nem tudo são flores, desde a inauguração. Polêmicas ao longo de todo o processo de implantação do lago não faltaram: custos/investimentos, relações com terceirizadas, interrupções nas obras, demora na conclusão, cinco torres de sustentação da linha de transmissão (69 mil V) de alta tensão dentro do Lago, indenizações para os 23 proprietários da área, escada para os peixes, condições de piracema e das aves migratórias, proliferação de algas, aguapés e gramíneas no lago, águas aquecidas no verão, revegetação e reposição florestal de entorno, irrigação agrícola, segurança e o impacto da implantação do Lago Dourado nos níveis de enchente, especialmente no Bairro Várzea/Navegantes.
Diante da preocupação do prefeito Sérgio Moraes em relação à suficiência do lago, a Corsan/Aegea fará estudos nos próximos meses. Em encontro recente na Prefeitura, o diretor-executivo da regional Centro da Corsan, Alexandre Barradas, destacou a necessidade de certeza maior acerca da vazão do Pardinho e da reservação do lago. “É muito legítima a preocupação do prefeito em pensar no futuro. Nós também já temos essa preocupação sobre no mínimo dez, 15 anos para frente, para atender a população, que não para de crescer.”
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Barradas enfatizou a importância do reservatório. “O Lago Dourado é vital para o fornecimento de água à população de Santa Cruz. Continua sendo a solução para que se tenha mais água bruta disponível para tratamento, e é capaz de atender o crescimento populacional previsto para a cidade.”
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O subsecretário de Meio Ambiente, Saneamento e Sustentabilidade de Santa Cruz, Marcelo Diniz, afirma que, apesar da segurança de abastecimento, sobretudo em tempos de estiagem, é feito acompanhamento contínuo do local. “Apesar de toda a profundidade, tem-se cuidado e preocupação com a qualidade e a capacidade. No ano passado foi feita uma batimetria [medição de profundidade] para saber a capacidade, pois, com as enchentes, acontece o depósito de sedimentos, que tiram capacidade de armazenamento. Segundo esse estudo técnico feito em novembro de 2024, tem-se autonomia de 80 dias”, explica.
O geólogo e ambientalista José Alberto Wenzel reforça a preocupação da suficiência, principalmente em tempos de fortes estiagens, como as que têm assolado o Estado nos últimos anos. “Os extremos climáticos em curso nos exigem um zelo ainda maior com a bacia hidrográfica. O lago depende do Rio Pardinho e de sua bacia. É essencial o desenvolvimento de um novo conhecimento ativo, da ciência com afeto.” Mas Wenzel salienta que a concepção do lago tem se mostrado adequada e resolutiva.
Iniciado em meados de fevereiro, outro trabalho, que deve estar concluído nas próximas semanas, vai retratar a condição do lago após a proliferação de algas no verão. Conforme Barradas, tudo indica que a enchente de 2024 foi o maior causador do problema, que alterou o gosto e o aroma da água, empobrecendo o solo e transportando matéria orgânica para o local.
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A questão do abastecimento público de água vem de longe. Segundo o historiador Hardy Martin, no livro Santa Cruz do Sul: de Colônia a Freguesia: 1849-1859, a própria instalação da povoação urbana aconteceu no “Vale” em função da maior oferta de água. De acordo com a história, em 1895 foi constituída comissão para tratar das questões de abastecimento de água na então Vila de Santa Cruz. Na época, foi escolhida a área da família Filter, atual Parque da Gruta, no Cinturão Verde. Mas o debate foi intenso e a escolha do local questionada, em função da relação custo/benefício.
Em 1907, saiu dos debates e do papel a primeira obra visando o abastecimento urbano. Um depósito foi construído no atual Parque da Gruta. Antes, o abastecimento era feito através de cacimbas e poços domésticos, bem como por poço tubular profundo nos altos da Rua Carlos Trein Filho. Na zona rural, com o passar dos anos, redes hídricas foram sendo implementadas.
Em 1922, um segundo reservatório (concluído em 1923) foi instalado no atual Parque da Gruta. No mesmo local, em 1925 (conclusão em 1926), houve instalação de um terceiro. Em 1935 foi implantado reservatório na Chácara das Freiras e outro junto ao Cemitério Católico, na Rua Thomaz Flores. E em 1949 a chamada “Nova Hidráulica” (ETA, na Rua da Pedreira) entrou em funcionamento.
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Em abril de 1952, conforme a Lei no 131, o Município foi autorizado a celebrar convênio com o Estado para execução, manutenção e exploração dos serviços de água e esgoto. Em 1965, com a criação da Corsan, esta passa a se responsabilizar pelo abastecimento de água e pelo saneamento.
Em dezembro de 1995 o Pardinho, fonte maior de abastecimento urbano, revelou-se um “leito ressequido”, sendo lavrado o Decreto de Estado de Emergência no 4.404, em 20 de dezembro. Com a forte estiagem houve racionamento de água, o que foi decisivo para a construção de um reservatório na várzea do Pardinho. Outras proposições foram trazidas para consideração pública, a exemplo de pequenas barragens a montante.
Ao assumir a Secretaria de Obras Públicas no governo Antônio Brito, Telmo Kirst anunciou a construção de um grande reservatório, que seria denominado de “Lago Dourado”. O nome havia sido proposto por Normélio Boettcher, em conversas que eram mantidas entre o secretário e seus amigos Edmundo Hoppe e Normélio. Assim, em agosto de 1996 foi lançado o Projeto Lago Dourado.
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O original previa uma barragem de acumulação, através da construção de um dique de contorno, abrangendo superfície de 119 hectares. Isso permitiria o abastecimento por até seis meses de estiagem. Uma tubulação adutora subterrânea, ao longo de 4.380 metros, ligaria a área de captação a montante, em Entrada Rio Pardinho, com o lago de acumulação. Avaliou-se que a manutenção da vazão ecológica do Pardinho deveria ser mantida em no mínimo 320 litros por segundo.
De posse das licenças ambientais (prévia e de instalação), a Corsan iniciou oficialmente as obras do Lago Dourado no dia 16 de junho de 1997, começando pela limpeza da área. No dia 31 de dezembro de 1998, o sistema de captação de água, primeira etapa do complexo Lago Dourado, foi inaugurado pelo secretário Telmo Kirst.
Em janeiro de 1999, a Corsan apresentou proposta de reformulação do projeto original. O novo plano, protocolado na Fepam no dia 25 de março de 1999, definiu o rebaixamento do coroamento do dique de 32 metros (montante) e 31,2 metros (jusante) para 30,5 metros em toda sua extensão, com o consequente rebaixamento da altura do dique. Isso ajustou a capacidade de reservação para o equivalente a 1.863.200 metros cúbicos, no limite da cota de 28 metros.
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Na tarde de 26 de setembro de 2000, na presença do governador do Estado, foi inaugurado o reservatório Lago Dourado, que já vinha sendo abastecido, a partir da estrutura de captação e adução, desde 15 de agosto do mesmo ano. Em fevereiro de 2008, o Município foi autorizado a assumir a implantação dos módulos de valorização paisagística e de lazer no entorno do lago.
No ano seguinte, tão logo foi concluído o processo de revitalização, foram disponibilizadas à população as quadras esportivas instaladas no entorno do lago. Posteriormente, novas estruturas foram colocadas à disposição dos usuários.
No início de 2020, uma prolongada estiagem afetou duramente o nível das águas no lago, que chegaram a 2,38 metros, ou seja 2,42 metros abaixo do nível normal (4,8 metros). Mesmo assim, com medidas emergenciais adotadas, o Lago Dourado aguentou os quase dois meses sem chuvas.
Em abril de 2023 o Lago Dourado foi rebatizado. Falecido em 2020, o ex-prefeito Telmo Kirst, idealizador do reservatório, foi homenageado a partir da Lei 9.329, que nomeia o local como Lago Prefeito Telmo Kirst. Além disso, a infraestrutura no entorno do reservatório recebeu nova denominação. Passou a ser chamada de Complexo Esportivo Normélio Egídio Boettcher, empresário, ex-vice-prefeito e ex-vereador,
que teve fundamental participação na concepção do projeto.
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