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Direto da redação

Os muros da aldeia

“Globalização” é um termo que parece sair da ordem do dia com o avanço do nacionalismo na Europa e Estados Unidos. Estrangeiros e imigrantes, símbolos de carne e osso da “aldeia global”, agora são hostilizados, por vezes até agredidos, de forma ostensiva. A tendência é reforçar as fronteiras, erguer muros, fechar-se em si mesmo. 

Em 1994, quando “globalização” ainda soava como uma novidade pós-Guerra Fria, um cartaz espalhado pelas ruas de Berlim ironizava: “Seu Cristo é judeu. Seu carro é polonês. Sua pizza é italiana. Sua democracia, grega. Seu café, brasileiro. Seu feriado, turco. Seus algarismos, arábicos. Suas letras, latinas. Só o seu vizinho é estrangeiro.” Esse pitoresco exemplo, trazido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman em um de seus livros, Identidade (2004), serve para mostrar o quanto é difícil a qualquer um se manter fiel a uma identidade fixa, isolada, “pura”. 

Muitas grandes inovações técnicas da humanidade foram resultado da interação entre diversas culturas, civilizações, em um processo de aperfeiçoamento contínuo. A imprensa, cuja criação muitos atribuem ao alemão Johannes Gutenberg, foi inventada na China no século 8 d.C. e os tipos móveis (tipografia), no século 11. Essa tecnologia só chegou na Europa no século 15. Outra criação chinesa, a pólvora, que ocorreu no século 9, disseminou-se para os árabes algumas centenas de anos depois e chegou à Europa no século 14. E há muitos outros exemplos. 

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Por fenômenos como esses, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss dizia que nunca haveria progresso sem diferenças. A tese dele, explicada em um texto clássico chamado Raça e história, de 1952, era a seguinte: quanto maior o número de contatos entre culturas diversas, maiores são as probabilidades de progressos específicos em quaisquer delas. Lévi-Strauss valorizava a coexistência de civilizações como forma de impulsionar o “desenvolvimento” de todas elas – em um processo até involuntário, fruto da própria dinâmica das trocas culturais. 

Daí o absurdo de uma cultura se sentir “superior” a qualquer outra. Para Lévi-Strauss, “a exclusiva fatalidade que pode afligir um grupo humano e impedi-lo de realizar plenamente a sua natureza é estar só”. Mas é preciso vencer o temor que os “outros” provocam, o que, vemos hoje, não é fácil. Há muitos fatores na ascensão do radicalismo de extrema-direita em vários países, Brasil inclusive, mas o rancor pelos estrangeiros é marca comum. Mesmo sabendo que “pureza étnica” é uma fantasia, algo que não existe. É hora de ouvir melhor Lévi-Strauss: “Uma nota – A, B, C, D e assim por diante – não tem significado em si mesma; é apenas uma nota. É só pela combinação das notas que se pode criar música”. Tentemos então, no meio de todo este ruído, criar música.

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