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Direto da redação

Talvez Freud explicasse

É surpreendente a velocidade e o grau de certeza com que as pessoas emitem opiniões definitivas. Um fato novo aparece e, quase instantaneamente, surgem com ele milhares de juízos e condenações sumárias. A polêmica mais recente diz respeito à “arte degenerada” que toma conta dos espaços públicos. De positivo nisso (ou negativo, ainda não sei), pessoas que nunca puseram os pés em um museu descobriram, de repente, que eles existem. Mas, como já se tornou praxe no Brasil, também essa discussão acabou polarizada entre a vozes (cada vez mais altas) de direita e de esquerda – como, aliás, qualquer outro tema no Brasil. Sobre a questão do MAM, quem deve se pronunciar é o Ministério Público, que está apurando;  certamente, não serei eu nem os promotores e “especialistas em tudo” das redes sociais.  

O problema é que hoje existe um afã censurador, alardedo sempre em nome da moral e da decência, que começa a se espalhar por diferentes áreas da cultura. Há alguns dias, a Câmara de Vereadores de Uruguaiana propôs a retirada da Biblioteca Pública Municipal do ivro Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira, alusivo àquela exposição no Santander Cultural que, de tão criticada, acabou sendo cancelada. O Ministério Público do RS, que considerou absurdas as acusações de apologia à pedofilia ou qualquer outro tipo de crime, recomendou que a exposição fosse reaberta, mas não adiantou: o Santander preferiu não se desgastar mais. Em Uruguaiana, o autor da proposição de descartar o livro, Eric Lins (DEM), recebeu o apoio dos colegas na Câmara e foi além: avisou que solicitará ao Executivo a análise de mais obras para que aquelas com “conteúdo similar sejam retiradas por atentarem contra a moralidade”.   

Isso dá o que pensar. Será que Eric Lins já leu o romance Lavoura arcaica, de Raduan Nassar, escritor brasileiro que recebeu o Prêmio Camões? Na história, o protagonista é um filho rebelde, uma “ovelha desgarrada”, que pratica incesto com a irmã e até mesmo com o irmão caçula. Lavoura arcaica é de uma imoralidade corrosiva, assim como várias outras grandes obras da literatura. O que dizer das situações descritas em O cortiço, de Aluísio de Azevedo, um clássico que é leitura obrigatória para vestibulares? E o que se deveria fazer com os livros de Rubem Fonseca, que dispensam muitos comentários? Empilhá-los e acender uma fogueira?

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Restaria algum bom escritor nas prateleiras se, de repente, os “fiscais dos bons costumes” começassem a decidir o que deve ou não ser exposto nas bibliotecas? Difícil não se perguntar: com tanta gente no Brasil preocupada com a decência, a moral e a virtude, como é que continuamos sendo governados por um bando de ladrões, que a própria Operação Lava Jato já qualificou como “organização criminosa”? Talvez Freud, se estivesse vivo, explicasse. Mas, sendo quem era, acho que ele correria o risco de ser apedrejado em praça pública.

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