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Entrevista

Pedro Simon: “Tem muita gente com culpa no cartório”

Foto: Divulgação

Pedro Simon deu entrevista à Gazeta do Sul nessa quinta-feira

Após mais de seis décadas de intensa atividade partidária, Pedro Simon encerrou seu último mandato há cinco anos, mas está longe do ostracismo. Embora fora dos holofotes, às vésperas de completar 90 anos ele ainda percorre o Brasil e mantém-se envolvido com os debates mais urgentes da República.

Foi o que demonstrou nessa quinta-feira, 14, quando conversou por telefone com a Gazeta do Sul durante cerca de uma hora. Simon não esperou ser questionado para trazer à tona o assunto mais polêmico do país no momento: prisão em segunda instância. “Perdão, mas isso é muito importante para mim”, justificou a antecipação. Com uma vivacidade que faz lembrar seus discursos na tribuna do Senado, nos quais defendia a Lei da Ficha Limpa, pregou uma “movimentação tremenda” junto ao Congresso Nacional para restituir a possibilidade de execução provisória da pena de condenados por corrupção. “Tenho 65 anos de política e nunca vi ir para a cadeia um deputado, um senador, um prefeito, um governador, um presidente ou um grande empresário”, diz ele, que ao longo da sua trajetória firmou-se perante a opinião pública como uma reserva moral da política brasileira.

Testemunha (e, não raro, protagonista) de algumas das passagens mais importantes da história recente, como a campanha da Legalidade no Rio Grande do Sul, o golpe militar de 1964 e a transição para a democracia, Pedro Simon foi vereador em Caxias do Sul, deputado estadual, governador, ministro e, durante 32 anos, senador. Em paralelo, atuou como advogado, teve quatro filhos (um deles faleceu em um acidente de carro e outro, Tiago, cumpre mandato hoje na Assembleia) e casou-se duas vezes.
Nesta entrevista, ele analisa a atual composição do Congresso, defende as reformas estruturantes, exalta a Lava Jato e o juiz Sérgio Moro e avalia os desempenhos de Jair Bolsonaro e Eduardo Leite.

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Gazeta do Sul – Como vem sendo a sua atuação política desde que encerrou seu último mandato, em 2014?
Pedro Simon – Eu tenho viajado por praticamente todo o Brasil. Faço conferências, palestras, debates, principalmente no meio universitário, discutindo o futuro do Brasil e a realidade que estamos vivendo. Ultimamente, tenho debatido muito sobre a prisão em segundo grau e a defesa que faço do apoio à Operação Lava Jato.

O senhor sente falta de estar no Congresso?
Com toda a sinceridade, não. Vou fazer 90 anos em janeiro e acho que nem teria condições de voltar à briga lá do Congresso. Prefiro assim como estou: debato, defendo minhas ideias, discuto, faço polêmica, mas estou livre para fazer quando quero e sem me envolver em uma série de coisas pelas quais não tenho interesse.

A atual composição do Congresso tem mais ou menos qualidade do que aquela que o senhor conheceu?
O atual Congresso é uma novidade. A renovação que ocorreu na última eleição foi a maior de todos os tempos. Bem mais da metade é gente nova. E muitos destes estão no primeiro mandato de suas vidas, são deputados federais e senadores que nunca foram vereadores ou prefeitos. Esse início tem sido muito tumultuado. Nós estamos com 35 partidos em funcionamento, mais 30 que estão pedindo registro. E agora o presidente da República saiu do seu partido e está fundando um novo. Por isso respeito quem está chegando agora, porque pegaram uma época muito difícil para começar. Mas é importante salientar que estamos vivendo uma época em que o Congresso está produzindo coisas positivas. Há 50 anos se fala nas reformas profundas que precisam ser feitas no Brasil e nunca o Congresso e o Executivo conseguiram fazer reforma de coisa nenhuma. Agora, já houve a reforma trabalhista, já houve a reforma da Previdência e está no Congresso para ser votada a reforma tributária, além do pacote anticrime, que está na gaveta mas tem de sair. Então, a produtividade é boa. O lado negativo foi a aprovação, de maneira muito estranha, na calada da noite, da lei de abuso de autoridade.

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Se o senhor ainda estivesse no Congresso, então, teria votado a favor da reforma da Previdência, por exemplo?
Não me aprofundei para discutir. O que quero dizer é que o fato de ter sido votado foi importante. No conteúdo, me parece que tem coisas boas, embora algumas interrogações sejam respeitáveis. Mas veja o Rio Grande do Sul, por exemplo: o Estado tem hoje dois orçamentos, porque metade do funcionalismo está aposentada. Então, o Estado encontra-se praticamente quebrado e alguma coisa tem que ser feita.

Das lideranças novas que temos hoje no Congresso, alguma chama a sua atenção?
Tem algumas que estou gostando, mas não gostaria de citar porque faria injustiça em relação a outras. Mas em relação ao Congresso, é o seguinte…Posso antecipar uma pergunta tua, sobre prisão em segunda instância?

Pode.
Perdão, mas isso é muito importante para mim. O Brasil era considerado, em todo o mundo, o país da impunidade. Tenho 65 anos de política e nunca vi ir para a cadeia por corrupção um deputado, um senador, um prefeito, um governador, um presidente ou um grande empresário. Se é uma pessoa humilde, aí vai, e nem precisa juiz, basta um guarda de esquina. Mas aí veio a Operação Lava Jato e foi a coisa mais fantástica que já aconteceu no Brasil. As coisas começaram a acontecer. Foram para a cadeia um presidente, um presidente da Câmara, três governadores do Rio de Janeiro. Só que aí, sem mais nem menos, o Supremo Tribunal Federal muda de opinião e um monte de gente acaba sendo solta. Por isso, estou viajando o país inteiro para defender que temos de pressionar o Congresso para que altere a Constituição.

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Então o senhor, como advogado, não entende que a prisão em segunda instância fere o princípio da presunção de inocência?
Querido, no mundo inteiro é assim. Será que nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha, na França não viram isso? O resto do mundo não viu isso, só os esplêndidos ministros do nosso Supremo que estão vendo isso? Pelo amor de Deus.

O julgamento no STF teria sido mais político do que técnico?
Nem sei o que foi, só sei que não foi positivo para o Brasil. Esse mesmo Supremo, com essa mesma gente, por duas vezes nos últimos anos decidiu que condenado em segunda instância deve ir para a cadeia. Por isso todas aquelas pessoas foram para a cadeia, porque o Supremo decidiu. Mas, de repente, surgiu um movimento para soltar o Lula. E o problema não é condenar ou absolver o Lula. É que, se ele fica solto, ninguém mais vai para a cadeia. Agora, se o Lula está preso, por que esse pessoal do PT, do MDB, do PSDB, esse monte de gente que cometeu delitos não vai para a cadeia também? Então, existe um movimento muito grande de muita gente defendendo presunção de inocência em causa própria. Isso porque na vida política tem muita gente com culpa no cartório. E ainda querem condenar o Sérgio Moro, que na minha opinião é uma pessoa extraordinária, um homem de coragem e garra, e que fez o que tinha que fazer.

O senhor não vê excessos na Operação Lava Jato?
Repara você: o Moro conversou com os promotores. Foi um erro? Foi. Mas a sentença foi diferente por causa disso? Será que o Lula não cometeu crime, será que a Petrobras não foi assaltada de tudo o que é lado por esses últimos governos? Será que as coisas não aconteceram? Duvidar da seriedade do Moro é uma coisa muito grave. Um homem digno, correto, decente, corajoso, está com a vida em perigo, recebe duas ou três ameaças por dia e está tendo atitudes respeitáveis. Ele abriu mão da carreira de juiz, que garantiria sua aposentadoria, e está agora ali com uma mão na frente e outra atrás. Se deixar de ser ministro daqui a um ou dois meses, vai ter que se virar para viver.

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A forma de indicação dos ministros do STF precisa mudar?
Acho que sim. Infelizmente, nós temos uma interrogação muito grande em relação ao Supremo. Tem um juiz que fez duas vezes concurso e rodou e está condenado em um processo sério, e está lá no Supremo. Foi candidato pelo PT, foi advogado do diretório nacional do PT, e está no Supremo. Então, não me parece uma forma lógica e racional de escolher os ministros.

Os ministros deveriam ser juízes de carreira?
Sinceramente, eu não sei. Uma coisa que estamos discutindo é se eles devem passar a vida inteira lá ou se devem ter um mandato de dez ou 15 anos. À primeira vista, eu achei muito bom quando a TV Justiça começou a transmitir ao vivo as sessões do Supremo. Mas o que estou vendo agora é que os ministros viraram estrelas de televisão. A vedete do Brasil não é o presidente da República nem a Câmara ou o Senado, é o Supremo, que está todo dia nas manchetes. Tu não vê isso em outros países. É uma coisa que chega a cair no grotesco.

Voltando às reformas. Qual o senhor considera a mais urgente neste momento?
A reforma tributária é importante, principalmente se ela fizer justiça. Hoje o dinheiro encontra-se em Brasília, o governo federal arrecada quase tudo, não existe uma divisão justa com os estados e os municípios. Por outro lado, é preciso uma reforma política. Nós podemos chegar a ter 70 partidos, é uma maluquice. É necessário ter uma cláusula de barreira, como já existe em todos os países do mundo democrático.

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Qual avaliação o senhor faz do desempenho do presidente Jair Bolsonaro até agora?
Olho sob dois ângulos. Primeiro, o governo em si. O presidente teve uma atitude correta, por exemplo, ao pegar os cinco ministros da área econômica e unificar. Positivo. E esse ministro da Economia, podemos até discordar de alguma coisa, mas ele é excepcional. Então, ao indicar o Paulo Guedes e dar mão forte para ele, agiu bem. Positivo. Em relação ao combate à corrupção, indicou o Moro e disse que o que ele disser, está dito. Positivo. Agora, quanto ao presidente pessoalmente. Qual é o maior adversário dele? A língua. Ele fala demais, ele diz bobagens, uma atrás da outra, e isso está complicando muito ele. Eu chego à seguinte conclusão hoje: ele se elegeu presidente por causa daquela facada. Aquela facada tirou ele do combate, ele não participou de nenhum debate, de nenhum programa, de nenhum comício. Se ele tivesse dito na campanha o que está dizendo agora, não teria sido eleito.

O senhor enxerga algum risco de novo impeachment?
Não vejo. Ele está falando essas coisas e é ruim para ele, para o governo e o Brasil. Mas daí a falar em impeachment por causa disso, de jeito nenhum.

O senhor, que muito lutou pela democracia, considera que ela está abalada de alguma forma?
Não tenho dúvida de que a democracia está funcionando. Porém, os problemas existem. O que estamos vendo hoje? De um lado, o Lula. De outro, o presidente. O Lula quer fazer uma frente de esquerda onde ele possa ser o chefão. Ele quer ser o homem que vai combater o presidente, por isso já saiu da prisão batendo nele. Mas o que estamos sentindo e muita gente vem comentando é que o presidente está contente com o Lula solto, porque ele acha que assim vai ser mais fácil bater no Lula. Então, os dois lados estão indo nessa direção e isso é muito negativo.

Essa polarização extrema é perigosa?
É tremendamente negativa. O Lula e a esquerda com essa radicalização, onde vai parar? E o presidente e sua radicalização à direita, onde vai parar? O presidente foi lá nos Estados Unidos, disse mil coisas positivas sobre o país, se disse amigão do país, e agora quer fazer acordo de livre comércio com a China. Foi lá em Israel, falou em transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, sendo que os maiores compradores de produtos naturais são os países árabes, e depois foi lá fazer acordo com a Arábia Saudita e agora não fala mais na embaixada. E do outro lado, o Lula presta solidariedade à Bolívia e dá a entender que o pessoal do Chile tem de avançar para derrubar o governo. Não é possível.

O senhor já foi governador do Rio Grande do Sul. Acha que o Eduardo Leite está no caminho certo?
Acho que ele está indo bem, está fazendo o que tem que fazer. O problema é que o Rio Grande vai mal. O (José Ivo) Sartori fez o que podia fazer e terminou o governo atrasando os salários 15 dias. E, na época, diziam que isso era um escândalo e o novo governador afirmou que ia colocar os salários em dia no primeiro ano. Mas agora está atrasado dois meses. E dá para culpar o governo? Não. É que a situação está realmente muito ruim. Por isso eu digo que se não fizer uma mudança profunda, a coisa só vai piorar.

Esse pacote que o governo do Estado apresentou durante a semana vai na direção correta, então?
Não digo que tem que ser assim ou assado, mas o caminho é esse. É fazer alguma coisa para sair dessa situação.

Para terminar: qual o principal conselho que o senhor dá para a juventude que quer um país melhor?
No curto prazo, precisamos de uma movimentação tremenda em cima do Congresso Nacional para que volte a prisão em segunda instância. Isso é vital. Se não fizerem isso, se soltarem todos os que já foram condenados e daqui para a frente não prenderem mais ninguém, eu não sei o que vai acontecer. Porque não é possível punir um operário e deixar impune um presidente, um senador, um empreiteiro. Durante esses anos todos, muitos roubaram e ninguém pegou um dia de cadeia. Agora que as coisas estão acontecendo e as pessoas estão indo para a cadeia, aí sim podemos organizar uma grande campanha pela ética, moralização, respeito, porque aí a pessoa sabe que, se ela não agir bem, vai para a cadeia. Mas o que também digo é que existe um fato novo da maior importância hoje. Em 1964, a Rede Globo tinha o monopólio da informação e, com relação ao que aconteceu, não se pôde discutir nada. Hoje é diferente. Repara: no último sábado, os jovens resolveram fazer uma manifestação no Parcão, em Porto Alegre. Eles me ligaram e eu fui. Começaram a planejar na sexta-feira de noite, através das redes sociais. Nenhum jornal e nenhuma rádio noticiou. E tinha um mar de gente lá, todo mundo transmitindo. Então eu digo: façam sua rede, discutam, tenham participação na vida social brasileira. Acho que os jovens na rua e debatendo significam um caminho aberto para mudarmos o nosso país.

Há 50 anos se fala nas reformas profundas que precisam ser feitas no Brasil e nunca o Congresso e o Executivo conseguiram fazer reforma de coisa nenhuma.

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