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Ricardo Düren

Mundos paralelos

Nossa caçula, Ágatha, fez-nos um estranho pedido dias atrás. Queria saber onde estavam guardados os piscas de Natal, pois pretendia pendurálos na sala. Argumentamos que ainda falta bastante tempo para o Natal, mas o plano da traquinas era outro.

– Quero tentar me comunicar com crianças presas no mundo invertido – explicou.

Sim, a marota andou espiando, sob os ombros dos irmãos mais velhos, alguns episódios de Stranger Things (enquanto aguarda pela quarta temporada, a turma está assintindo à série pela segunda ou terceira vez). Sabemos que a censura não é para a idade dela, mas Ágatha garantiu-nos que não se intimida com as aparições do Demogorgon, o monstro que guarda o mundo invertido. E, como cresci vendo Caverna do Dragão, Os Caça-fantasmas e Jaspion, acho a censura para Stranger Things meio exagerada mesmo.

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Contudo, após assistir às cenas em que o garoto preso no mundo invertido se comunica com os amigos, fazendo piscar luzes de Natal penduradas sobre o alfabeto, nossa caçula imaginou que poderia fazer o mesmo.

– E com quem pretende conversar? – eu quis saber.

– Sei lá… – respondeu. – Só fazendo o teste para saber.

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Receosos quanto aos resultados de tão arrojado experimento, convencemos, a muito custo, a caçula a desistir da ideia.

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Desde que assisti Stranger Things pela primeira vez, há quatro anos, tento entender, sem grande sucesso, a teoria dos muitos mundos, que embasa a série e realmente existe nos livros de física. A hipótese envolve um emaranhado de cálculos matemáticos e paradoxos da física quântica, passando por formulações de Einstein até apontamentos do famoso cosmólogo Stephen Hawking, gênio que sofria de esclerose lateral amiotrófica. Grosso modo, a teoria sugere que existiria uma infinidade de outros universos, alguns bem diferentes do nosso, outros idênticos, inclusive com planetas habitáveis e várias civilizações parecidas com a nossa.

Tantas possibilidades sugerem, inclusive, a existência de outros mundos ocupados – pasmem – por nós mesmos, nos quais, contudo, estaríamos dotados de habilidades, profissões e saldos bancários diferentes do que temos aqui, em nosso universo. Talvez em um desses universos eu até compreenda essa teoria.

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Em Stranger Things, o mundo invertido é um ambiente com a mesma geografia do nosso planeta – as mesmas ruas, as mesmas casas –, mas sempre escuro, esfumaçado, tóxico e guarnecido por criaturas assustadoras. Mas prefiro pensar que, na multiplicidade de possibilidades da teoria dos muitos mundos, existam lugares bem mais aprazíveis e com gente mais simpática. E com histórias até mais felizes, inclusive, que muitas histórias transcorridas em nossa realidade.

Talvez exista um universo paralelo em que o Internacional seja bicampeão do mundo, após ter passado com facilidade pelo Mazembe e de ter aplicado, na grande final, 3 x 0 no Inter de Milão – com um gol de D’Ale e dois de R. Düren, centroavante goleador oriundo das categorias de base do FC Santa Cruz. E onde a torcida tricolor prepara-se, agora, para lotar a Arena na estreia de Cavani. Afinal, nesse universo em questão os estádios já podem ser novamente ocupados, pois a pandemia foi logo vencida, mesmo antes da vacina, visto que todos seguiram à risca as regras de distanciamento e de higiene.

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Em outro desses múltiplos universos, a RSC-287 já está duplicada e permite que se chegue a Porto Alegre com segurança e sem a necessidade de desviar de buracos. Não há registros de acidentes, embora a polícia rodoviária já tenha aposentado, há muito tempo, os radares móveis e os bafômetros. Afinal, nesse universo os motoristas, conscientes e educados, sequer cogitam desrespeitar a lei ao volante de seus carros elétricos e não poluentes.

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Se a teoria estiver correta, talvez exista também um universo em que os dicionários sejam impressos sem as palavras guerra e violência – expressões que, por lá, simplesmente não existem, dada a inexistência do que nomear com elas. É possível que nesse mesmo mundo paralelo, ou em outro, a expressão “morrer de fome” seja apenas uma hipérbole, um exagero linguístico usado por quem atrasou-se para o almoço. Afinal, lá ninguém morre de fome de verdade. Nesse mundo específico produz-se tanto alimento quanto no nosso, contudo, por lá a força do altruísmo faz com que a comida chegue a todos os cantos do planeta, sem desperdícios, sem perdas no caminho, sem desigualdades e preços exorbitantes.

É possível que existam ainda mundos paralelos em que florestas não sejam derrubadas ou devoradas por incêndios criminosos. E outros onde, por força da empatia, seja inconcebível que um laboratório farmacêutico tenha o despudor de exigir R$ 9 milhões por um medicamento capaz de salvar a vida de uma criança.

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Seria então o caso de tentar uma comunicação com esses outros universos, com luzes de Natal (como sugere Ágatha), em busca de orientações para melhorar o nosso mundo? Meio improvável, não é? Mais viável é buscar inspiração no bom exemplo de tanta gente que está em nosso próprio mundo, real e palpável, lutando – ainda que como formiguinhas – para fazer dele um lugar melhor e para ajudar a quem precisa. Para esses, vai meu desejo de um ótimo fim de semana.

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