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Empoderamento

Black Power: Quanto mais volume, melhor

Na casa da nutricionista Aline Silva Gonçalves, 32 anos, o orgulho em manter o cabelo crespo passa de mãe para filha. Há três anos, a santa-cruzense resolveu abandonar técnicas de relaxamento capilar para assumir a cabeleira volumosa. O crespo, agora, se apresenta imponente em forma de black power, corte que vai muito além da estética e para Aline, hoje, sugere liberdade e aceitação. “No início, eu nem percebi que poderia ser um meio de empoderamento. Queria mesmo era me livrar daquela obrigação de prender ou alisar. Percebi que o natural é bonito em mim.” 

Tão bonito que a nutricionista não hesitou em transmitir essa naturalidade de lidar com as madeixas crespas para a filha. Aos 5 anos, Heloísa mantém um black power de dar inveja. A pequena, que inclusive integrou a campanha Pretinhosidades, estampada nos ônibus urbanos de Santa Cruz, anda para lá e para cá com o cabelão. Frequenta a escolinha, vai ao balé e gosta mesmo é de deixar ele solto. Aline não esconde o orgulho que tem ao ver a pequena Helô já questionando os padrões de beleza encontrados na mídia. “Ôô mãe, por que nessa propaganda não tem uma menina que nem eu?”, indaga quando assiste televisão. A construção da identidade da menina pode ser percebida até mesmo nos pedidos que faz à mãe. “Esses tempos, ela me pediu uma boneca negra e com black. Foi difícil, mas encontrei.” 

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A espontaneidade com que Helô já consegue tratar o crespo também fez parte da rotina da paulista Larissa Maciel, 31 anos. Morando em Santa Cruz desde 2006, ela conta que quando mais nova até chegou a usar química, mas por praticidade. “Foi quando aprendi a cuidar dele sem essas técnicas que passei a deixá-lo volumoso. Tudo foi acontecendo naturalmente.” Essa segurança conquistada ao longo dos anos, porém, ela sabe de onde veio. Foi a mãe, Maria Aparecida, que educou Larissa e a irmã Nicole, 26, para assimilarem, que frente aos olhares, o importante era estar de bem consigo. “A negritude e do cabelo são questões inseparáveis. Quanto mais natural você é, mais você é aceito.” 

Mesmo enxergando muitos desafios, Larissa, também eleita primeira princesa do Carnaval de Santa Cruz em 2015, comemora o fato de enxergar cada vez mais as mulheres deixando de lado a chapinha. “Considero esse movimento crespo um avanço. Antes, quem lutava contra o volume hoje é a favor.” E o poderoso black power tem feito sucesso. “Esses dias, eu estava no ônibus e uma mulher, encantada, pediu para tocar no meu cabelo.” É o crespo que se une à autoestima e faz uma Larissa feliz por ser quem é. 

MEDO – Antes de dar vida ao black power, Aline conta que tinha medo de não ser aceita. Aliás, não esconde que já sentiu olhares de reprovação. Para sair dessa situação fortalecida, a nutricionista buscou inspiração. E nem precisou ir muito longe, não. As santa-cruzenses Marta Nunes e Cíntia Luz são referência para Aline quando o assunto é postura e empoderamento. “Agora o problema é de quem se incomodar.” 

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Satisfeita com a tão buscada aceitação, Aline também gosta de ressaltar que não é porque assume o black que vai julgar as negras que ainda adotam técnicas de relaxamento. “As mulheres negras que têm cabelo liso não são menos poderosas do que nós. O mais importante frente a todo esse contexto é se gostar.”

MESTRE

A disseminação de informações na internet aliada às políticas afirmativas, como cotas, são alguns dos motivos, segundo a mestre em Ciências Sociais pela UFSM, Karen Tolentino de Pires, do processo de reafricanização das mulheres nos últimos anos. Autora da dissertação “Crespa ou alisada: os diferentes significados da manipulação do cabelo afro entre mulheres negras da cidade de Santa Maria”, a socióloga considera que essas ações possibilitaram mais acesso para que o grupo começasse a pensar formas de tratar seus cabelos. 

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“Essa afirmação está presente ainda mais entre as mais jovens. A minha filha, por exemplo, já está crescendo com uma construção identitária negra que eu não tive. É outro momento.” Os efeitos do movimento também propiciaram adequações na indústria que hoje oferece cosméticos focados para o cabelo crespo. “Anos atrás, faltavam produtos e hoje o que se vê é um cenário repleto de opções, inclusive específicas para cada tipo de curvatura do cacho.”

Movimento

Desde o final da década de 1960 e início de 1970, o movimento Black Power, criado nos Estados Unidos, trazia questões relacionadas à igualdade racial, ao empenho pelos direitos civis e à conscientização dos negros quanto à autoestima. Ele envolvia a aceitação do seu estereótipo e, por conseguinte, do cabelo. Hoje o black power está mais relacionado ao penteado do que ao próprio movimento ativista.

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