Falar em identidade cultural no Rio Grande do Sul é mencionar, também, a presença italiana. Há 150 anos tem sido assim. A cultura, a história e as tradições desses povos se perpetuam entre gerações e contribuem, desde o início, para transformar a realidade do Estado. Hoje, já são mais de 4 milhões de gaúchos com ascendência italiana. Em Santa Cruz do Sul, não é diferente.
Pelo município, entre os habitantes muitos colecionam histórias sobre suas origens. Em 2025 comemora-se o sesquicentenário da imigração italiana no Estado, cujo marco é nesta terça-feira, 20 de maio. Nesse dia, em 1875, chegaram a Nova Milano, atual Farroupilha, os primeiros imigrantes italianos.
Filha mais velha de um agricultor e uma professora, Fabiana Marion Spengler nasceu em Sobradinho e cresceu em Serrinha Velha, no interior do município de Segredo. Mas muito antes que ela e os dois irmãos mais novos viessem ao mundo, o bisavô Pietro Marion, nascido em 1886 na Cologna Veneta, comuna da província de Verona, deixou a Itália e se casou em Nova Palma com Antonia Vestena, no ano de 1908. Entre os cinco filhos nasceu Santo Marion, avô de Fabiana.
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“Lá, a maioria das pessoas era de origem italiana. Tínhamos vizinhos que falavam mais e melhor o dialeto que o português. Minha infância foi marcada pela cultura italiana”, relembra. “Cresci comendo polenta todas as noites, feita no fogão a lenha, independentemente se fazia calor ou frio.” Além dessa, são muitas as memórias que Fabiana tem daquele tempo. “Me recordo da ‘troca’ de pães entre vizinhos, resultantes das fornadas produzidas na comunidade. O auxílio das famílias na colheita e produção de vinho (se arruinava, virava vinagre!), o terço rezado todos os domingos na comunidade…”.
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Desde 1990, no entanto, ela passou a residir em Santa Cruz, quando deu início ao curso de Direito. “Na época estranhei um pouco a cidade e seus costumes, pois apesar de geograficamente próxima, era diferente da região na qual cresci.” Após a graduação e de se tornar professora universitária, começou a trilhar o caminho da pesquisa, aproximando-se de universidades italianas. “A necessidade de falar o idioma se fez ainda mais premente. Foi quando conheci o Circolo Bella Italia e me fiz sócia.”
Em dezembro de 2010, Fabiana recebeu bolsa de seis meses para realizar o pós-doutorado em Roma. Passou a proferir palestras e dar aulas na Itália. “Me entranhei no cotidiano dos italianos e entendi melhor seus costumes, inclusive alguns hábitos que via e até reproduzia desde a infância, sem saber exatamente o porquê. A zuppa di pane [sopa de pão] é um costume muito comum na nossa família e quando conheci melhor a cultura italiana, me deparei com essa iguaria sendo servida na Toscana.”

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Abbia un sogno nella tua vita
No começo de 2002 italianos e descendentes, moradores de Santa Cruz do Sul, deram um passo importante para manter viva a história. Naquele ano foi fundado o Circolo Culturale Bella Italia (CCBI), com o compromisso de preservar as tradições e perpetuar os aprendizados herdados. “Quem não valoriza o passado, não vive o presente e não será lembrado no futuro”, diz o presidente Marcelino Seolin. O feito também vai ao encontro do título deste texto: “tenha um sonho em sua vida”.
Há 23 anos o grupo tem feito parte do cenário social e cultural do município. Seolin, por exemplo, nasceu em Sobradinho, mas fixou residência em Santa Cruz em 1990. Hoje ele celebra um novo capítulo na jornada do Bella Italia, que conta com mais de cem associados. “Numa terra típica germânica, sempre nos perguntavam qual era a nossa referência. E agora ela vai ser nos altos da Rua Marechal Deodoro”, afirma, referindo-se à nova sede em construção no local.
Fabiana Marion Spengler reforça a importância do Bella Italia. “A população de Santa Cruz conhece mais da história italiana pelo empenho do Circolo e de seu departamento cultural. A realização de cursos de língua e cultura é uma forma de resgatar as origens dos antepassados, mas também de promover, entre os descendentes de outras culturas, aquela trazida da Itália pelos oriundi.”
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Em exposição
Para celebrar a data, o Circolo Culturale Bella Italia promove uma mostra cultural no Centro de Cultura Jornalista Francisco José Frantz, na antiga Estação Férrea. Com término previsto para a última sexta-feira, a organização decidiu ampliar o período de visitação. Com isso, interessados poderão apreciar a iniciativa até o dia 29. O espaço fica aberto das 8 horas às 11h30 e das 13 às 17 horas, de segunda a sexta-feira.
No local é possível conferir diversos objetos que ajudam a contar a história dos imigrantes, como barricas utilizadas para armazenar vinho, azeite e grapa; ferros de passar à brasa; telefones; rolos de massa; serrote e outros equipamentos que fizeram parte do cotidiano dos italianos.
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Para relembrar
Em entrevista à Gazeta do Sul em setembro do ano passado, a sócia-fundadora do Circolo Culturale Bella Italia, Gloria Maria Zanette Rohr, falou sobre a chegada dos primeiros imigrantes italianos a Santa Cruz. Segundo ela, tudo começou com seus bisavós, vindos da cidade de Fregona, no Norte da Itália, e que se instalaram na Linha Santa Chiara, atual município de Carlos Barbosa, em 1879.
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Mais tarde, no fim do século 19, seu avô Paolo Zanette, filho mais velho de Antonio Zanette, migrou para Alto Trombudo, interior de Vale do Sol. Em 1907, ele e sua família decidiram deixar o Cerro Italianenberg, por ser um lugar de difícil plantio e colheita devido à geografia acidentada, para fixar residência em Santa Cruz. Atualmente, o local é chamado de Corredor Zanette. “Como as pessoas passavam por uma estrada na propriedade dele para chegar ao outro lado, de forma popular o trecho recebeu esse nome”, contou.
Trabalho árduo contribuiu para o desenvolvimento agrícola e industrial
No dia 20 de maio de 1875, chegaram a Nova Milano, atual Farroupilha, os primeiros imigrantes italianos. O primeiro ciclo migratório ocorreu entre 1875 e 1914, quando se instalaram no Estado cerca de 84 mil pessoas vindas de Lombardia, Vêneto e Tirol em busca de oportunidades e fugindo das tensões que culminaram na Primeira Guerra Mundial. O ápice da imigração, porém, foi registrado entre 1884 e 1894, com a chegada de 60 mil italianos.
Enfrentando dificuldades, como o clima e o idioma, os italianos contribuíram com trabalho árduo para o desenvolvimento agrícola e industrial do Estado. Ao longo do tempo, criaram comunidades vibrantes e preservaram tradições, festas, culinária e a língua vêneta.
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A cultura italiana se entrelaçou com a identidade gaúcha, fortalecendo o sentimento de pertencimento. Hoje, os descendentes somam milhões e mantêm vivo o legado de seus antepassados. A contribuição é visível na arquitetura, no vinho, na música e no empreendedorismo.
“Esses 150 anos reafirmam o valor da diversidade e da união de culturas na construção do Brasil”, afirma a professora acadêmica Fabiana Spengler.
Pelo Rio Grande
No início do ano, o governo do Estado realizou o lançamento dos festejos que marcam o sesquicentenário da chegada dos primeiros imigrantes italianos em solo gaúcho. Eles têm como slogan Nossa história é feita de futuros. “Todo gaúcho tem um pouco da cultura, da gastronomia e do trabalho do povo italiano que chegou aqui há 150 anos. Essa comemoração é muito importante para registrar a participação dos imigrantes italianos na construção do nosso Rio Grande”, disse na ocasião o vice-governador Gabriel Souza. No link, o site alusivo às comemorações: https://www.justica.rs.gov.br/150anos.
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