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Conversa Sentada

De júris e oratórias

Fui o primeiro juiz de Arroio do Meio. Na época, em 1973, aquele povo tinha o estranho costume de pagar as contas em dia, não furtar e não dar tiros nas pessoas. Em andamento pouquíssimos processos. Achei que estava recebendo meus vencimentos sem trabalhar. Fui, então, falar com o corregedor, desembargador Uflacker. Ele me designou para, junto com Arroio do Meio, jurisdicionar uma Vara da Comarca de Soledade.

Lá me deparei com  um mundo até então estranho para mim. Hoje, claro, que não é mais assim, mas na época havia muitos homicídios. Qualquer discussão resultava em tiroteio. Cabia-me presidir o Tribunal do Júri. O promotor era o recém falecido Lauro Araújo Batista da Silva e os advogados que mais atuavam eram Nedi Urnau e Gudbem Castanheira. Todos com um dom apuradíssimo de oratória, provinham da região campeira, eram corajosos e, ao mesmo tempo, cultos.

Quando terminava o júri, por vezes às altas horas da noite, jantávamos e aí rolavam os “causos”. Num deles, um homicídio, o promotor, ao iniciar, disse que examinara os fatos e declarou estar convicto da falta de provas contra o réu. Pediu a absolvição. A defesa, então, foi concisa, não levando mais do que dez minutos. Não houve réplica. Feitos os quesitos (da época), os jurados declararam o réu culpado. O juiz, surpreso, explicou de novo o significado dos quesitos e as consequências do sim e do não. Deu o mesmo resultado. Dias depois perguntaram a um dos jurados a razão de terem feito aquilo. Resposta: que o réu era um baita dum ladrão de cavalos e gado. E a acusação era de homicídio. “Se non è vero, è ben trovato.”

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Voltando para a oratória. Escolho dois ídolos. Um, Paulo Brossard, meu professor de Constitucional na Ufrgs. Iniciava a aula falando bem baixinho. Isso silenciava a turma. Em seguida fazia a si mesmo uma interrogação. Dava uma parada, faiscavam seus olhos, com um dedo em riste, imóvel. E então bramia sua indignação. Quando Brossard discursava no Congresso Nacional todos acorriam para o ouvir, num silêncio sepulcral.

Meu outro ídolo na arte da oratória foi o padre Paulo, de Araranguá. Minha primeira esposa era de lá e quando visitávamos a cidade íamos à missa. Eu curtia embevecido seus sermões, não pelo conteúdo, mas pela forma. Ele arremedava a suposta voz dos personagens: Deus era retumbante, o diabo tinha um voz de falsete, cada apóstolo tinha um timbre. Terminava o sermão num altíssimo volume, erguia os braços ao céu, ficava imóvel por eternos segundos, deixava cair os braços como se fosse desfalecer e balbuciava: amém.

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