Novas análises de uma laje com pegadas encontradas em uma calçada do centro de Santa Cruz do Sul em 1983 abriram outras perspectivas sobre o tipo do animal que deixou aquela marca e a época dos vestígios. Uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) publicou no final do ano passado o estudo questionando se as pegadas são realmente de mamíferos, conforme apontou a análise anterior, divulgada em 1994 pelo missionário e paleontólogo italiano Giuseppe Leonardi e o pesquisador britânico William Sarjeant, que encontraram o material.
A publicação apura ainda se a laje de arenito onde as pegadas estão é realmente da Formação Botucatu (e por consequência se ela tem a idade cretácea, com 120 milhões de anos) e se, de fato, ela teve origem em Santa Cruz do Sul. Análises morfológicas em primeira mão e com base em fotogrametria – uma técnica moderna de análise – apontam que o animal não pode ser determinado. Com base em informações obtidas a partir de uma revisão bibliográfica, também são questionadas a procedência e a idade do material.
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O professor da Ufrgs e diretor do Museu de Paleontologia, Heitor Francischini, em entrevista ao programa Estúdio Interativo da Rádio Gazeta FM 107,9 na terça-feira, disse que as análises com os conhecimentos científicos atuais, inclusive com uso de técnicas 3D, mostraram que as pegadas não podem ser atribuídas a um mamífero e não há evidências suficientes de que a laje seja da Formação Botucatu. “Isso abre uma perspectiva maior, inclusive de que a laje possa ser mais antiga e as pegadas sejam de algum grupo de animal não mamífero”, explica.
Dados de pesquisas anteriores atribuíram a origem da pedra como procedente da Pedreira Adolf Kessler, em Santa Cruz do Sul. Francischini afirma que é preciso uma nova análise do material desse local e cruzar os dados para verificar se são compatíveis. Caso não sejam, será necessário procurar em outros lugares, inclusive fora do município. “Vamos manter os olhos abertos para novos achados, pois o Rio Grande do Sul tem potencial para outras evidências”, afirma. Ainda conforme o pesquisador, as pegadas são de um animal de pequeno porte, de tamanho aproximado ao de um coelho.
Para entender
- A suposição da presença de Brasilichnium elusivum a partir dos rastros fossilizados permitiu aos pesquisadores anteriores a proposição de uma icnofauna (conjunto de animais) mais ao Sul, encontrada até então durante o início do Cretáceo. A análise mais atual, no entanto, defende que esse registro deve ser visto com cautela.
- Com base nos argumentos apresentados no estudo, os pesquisadores indicam que as pegadas atribuídas à Formação Botucatu, ao contrário do proposto por outros trabalhos, podem não proceder de Santa Cruz do Sul. Mas, mesmo que essa fonte de origem do material se prove correta, não é um indicativo direto de que a icnofauna de Santa Cruz seja contemporânea às icnofaunas clássicas encontradas na borda nordeste da Bacia do Paraná, que compreende uma grande extensão do Sul do Brasil.
- As análises indicaram ainda que ambos os rastros na laje proveniente de Santa Cruz não podem ser atribuídos inequivocamente a nenhuma pegada específica. Os pesquisadores discordam da classificação original e argumentam sobre a necessidade de mais dados para entender melhor a distribuição espaço-temporal dos tetrápodes no Cretáceo para a Formação Geológica Botucatu, da Bacia do Paraná.
Interpretações anteriores são contestadas
“Nosso trabalho revisa um material histórico, cujas conclusões originais foram, agora, contestadas”, explica o professor Heitor Francischini. Ele acrescenta ainda que, originalmente, esse material foi descrito como sendo a ocorrência mais ao sul das pegadas Brasilichnium elusivum da Formação Botucatu, indicando a presença de mamíferos na região mais meridional do paleodeserto que forma essa unidade geológica. “Mas a nossa análise sugere que este material não possui uma preservação boa o suficiente para que essa conclusão seja feita.”
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O estudo faz parte de um projeto maior, cujo objetivo é revisar as principais evidências da ocupação dos desertos ao longo do tempo geológico. Assim, novos trabalhos estão em andamento. O material estudado seria o único registro de pegadas fósseis para a Formação Botucatu em todo o Rio Grande do Sul.
“Apesar de sugerirmos que pode tratar-se de uma laje proveniente de outra unidade geológica (até mesmo de outro período geológico), foi necessário revisá-la para que pudéssemos ter certeza de que se tratava de pegadas de mamíferos. Então, pode-se dizer que a revisão feita por nós foi só a ponta de um grande iceberg que é o tema da pesquisa – a ocupação dos desertos por vertebrados ao longo do tempo geológico.”
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O estudo
A publicação do estudo na Revista Brasileira de Paleontologia é assinada pelos pesquisadores Heitor Francischini, Gabriel Sipp, André Barcelos-Silveira, Cesar Schultz e Paula Dentzien-Dias. A pesquisa reinterpreta, à luz de evidências recentes, os achados da década de 1980 que hoje estão depositados no Museu de Paleontologia da Ufrgs Irajá Damiani Pinto.
O novo estudo parte de uma análise dos tipos de pegadas de mamíferos fossilizadas. Um deles é conhecido como Brasilichnium elusivum e foi descrito pela primeira vez em 1981 pelo missionário e paleontólogo italiano Giuseppe Leonardi. As evidências fósseis para esse gênero – dezenas de pegadas encontradas em diferentes locais – são abundantes na Formação Geológica Botucatu, da Bacia do Paraná, apesar de ainda não terem sido encontrados fósseis do animal produtor das pegadas nessa região.
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Conforme as análises anteriores, o animal que deixou as pegadas do tipo Brasilichnium teria vivido na Era Mesozoica (que durou entre 248 milhões e 65 milhões de anos), especificamente no começo do Período Cretáceo (aproximadamente 135 milhões anos). O material foi estudado em 1983 por Leonardi e pelo pesquisador William Sarjeant. Até hoje, esse é o achado mais ao Sul relacionado ao animal, o que os autores do estudo contestam na nova análise.
Entre os registros mesozoicos, a situação do Brasilichnium seria um caso interessante de rastros produzidos por um ser que, pelas evidências paleoambientais correspondentes, teria vivido no deserto. Elas também são relacionadas a um dos mais antigos indícios de animais que caminhavam de maneira assimétrica, bem como de pés com quatro dedos entre os animais mamíferos.
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