Amanhece. As primeiras cores do dia movem a comitiva. Antônio tem o cuidado de combinar com seus parceiros para que fiquem alguns passos atrás dele e do “irmão”. Recomenda que não façam perguntas, ao menos num primeiro momento. Que apenas andem e se preparem para uma surpresa.
O “irmão” imagina estar em sua caminhonete. Veículo carregado com óleo para a motosserra e apetrechos diversos, como cordas para puxar galhos, trena, marreta, estacas, facão, foice e machado. Tudo para mais uma investida inescrupulosa. Antônio não contradiz. Assegura que nada falta. Basta seguirem. E assim fazem. O “irmão”, absorto em sua volúpia apropriatória, não percebe o séquito que os acompanha a curta distância. Chegam à vasta área, toda demarcada por estacas. O “irmão” se entusiasma: “Tens razão. Aqui deve estar o meu dinheiro. Vamos, vamos! Não podemos perder tempo. Sob cada estaca, e são muitas, pode haver alguma moeda ou valor perdido.”
Em sutil sabedoria, Antônio faz um sinal aos demais para que aguardem e se dirige ao “irmão”: “Vou te contar um grande segredo. Você realmente perdeu muito de seu dinheiro, e principalmente de seu tempo, implantando estas estacas no lugar das árvores que aqui coabitavam. Mas podemos recuperar tudo o que perdeste.”
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O “irmão” se entusiasma: “Como assim?” Antônio percebe a oportunidade e aproveita: “É bem simples. Eu conheço árvores cujas folhas valem muito mais do que as cédulas de papel ou moedas de metal. Mas é preciso arrancar cada estaca do loteamento e plantar em seu lugar árvores milagrosas. Com elas, você nunca mais perderá nada. As árvores se alimentam do sol, que ilumina sem cobrar nada; se nutrem da terra e da água, que também não cobram. E as árvores têm mais uma virtude: depois que você plantar as primeiras, as outras vêm, se achegam e formam uma grande floresta. Você nunca mais precisará se preocupar. Elas vivem e se multiplicam sem pedir dinheiro. E você ficará cada dia mais rico. Quanto mais árvores, mais poderoso você ficará.”
O “irmão” se entusiasma: “Então, não percamos tempo. Vamos arrancar estaca por estaca e colocar em seu lugar árvores. Mas como vamos fazer isso? Onde estão as mudas para plantar no lugar das estacas?” Antônio pisca para as cobras e prossegue em seu plano: “É a segunda parte do segredo. Eu conheço um assobio que chama árvores. Elas vêm de todos os tamanhos e prontas para logo virarem floresta de extremo valor. Valor muito maior do que este que você tem nos bolsos.”
Antônio pede que o “irmão” silencie e começa a assoviar, no que é seguido por Tanice, Eva, Irene e Cristian, pela criança, por Líris e sua bonequinha. O cardeal, às costas do cervo; as abelhas e a libélula, o pombo e os nativos, Luna e as criaturas mutiladas observam encantados, pois algo mágico se anuncia. Antônio abre seus braços convidativos, em acolhimento aos troncos decepados, que vão ocupando o lugar das estacas. Replantam-se. Aos poucos, o que fora preparado para ser um grande loteamento volta às origens florestais.
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O “irmão” exulta: “Por que não me contaste isso antes? Poderia ter ficado muito rico sem esforço algum. Quantas árvores derrubei, quantos furos nelas fiz para que morressem? Quantas pessoas paguei para retirar uma árvore hoje, outra amanhã, para não dar na vista? Quantas manobras realizei, quantos ‘presentes’ tive que dar para não ser denunciado? Quanto óleo gastei com a motosserra? Como fui idiota. Era só ter mantido a mata em pé e estaria rico. Quantas vezes usei de desculpas e justificativas, como a de que estava gerando empregos e renda, quantas vezes convenci a muitos sobre o desenvolvimento que minha atividade promovia…” Antônio se cala. Deixa o “irmão” extravasar, lavar-se em arrependimentos, ainda que contraditoriamente dúbios.
A tarde se achega. Chove. Irrigadas, as árvores agradecem a seus parceiros de jornada. Hora de voltar. Antônio já pensa no reamanhecer. A nova fase de sua missão não pode esperar. O que precisa ser feito o quanto antes?
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