Minha pátria é minha língua”, escreveu Fernando Pessoa. A língua é a principal forma para manifestar e, especialmente, perpetuar a cultura. O idioma pode ser também um símbolo de resistência e de afirmação da identidade. Este último aspecto, aliás, me marcou muito em cada visita ao território conhecido como País Basco.
Embora esteja quase sempre associado à comunidade autônoma de mesmo nome no nordeste da Espanha, o País Basco (Euskal Herria, na língua local), como denominação identitária, inclui também três províncias do sudoeste francês e partes da província espanhola de Navarra, em torno da cidade de Pamplona.

A região é a porção da Europa que sofreu menor assimilação cultural diante das migrações indo-europeias e das invasões de romanos, francos, visigodos e mouros. A região, embora tenha capitulado parcialmente ao Reino de Navarra no século 16 e, posteriormente, ao Reino da Espanha, jamais perdeu sua identidade e, após sofrer intensa supressão cultural durante a ditadura de Francisco Franco, readquiriu alguma autonomia.
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O franquismo (1936-1975) procurou eliminar o ensino do Basco, tomando medidas extremas como proibir que nomes bascos fossem dados a recém-nascidos, determinando multa para quem falasse o idioma local e até retirando lápides que contivessem a língua basca. O fim do regime autocrático do General Franco resultou no efeito contrário, reforçando o uso da língua basca, reavivando as tradições e fazendo ressurgir o sentimento nacionalista.
A partir dos anos 1970, grupos insatisfeitos com o domínio espanhol criaram uma organização separatista (ETA) que, infelizmente, usou táticas terroristas e deixou um rastro de sangue por décadas. Em 2011, o ETA encerrou as atividades armadas e, em 2018, se dissolveu completamente.
A força do trabalho e a união em torno da milenar identidade basca geraram uma região altamente desenvolvida, com foco na educação e industrialização. Minhas várias visitas à região, aliás, se devem ao número de excelentes empresas e profissionais que encontrei no País Basco. No lado cultural, as belas cidades e paisagens oferecem uma vasta gama de atrações, como o Museu Guggenheim de Bilbao e a cidade antiga de San Sebastián, nas margens da bela Baía de Biscaia.
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Retorno à questão linguística, que me parece central na resistência ao domínio e à assimilação cultural. O Basco (euskara), nativo para cerca de um milhão de pessoas, é a única língua isolada da Europa, sem conexão com qualquer outra língua conhecida. Além do vocabulário, a gramática e a fonética seguem regras únicas. O número de falantes dessa língua, que teve origem há mais de cinco mil anos, continua crescendo significativamente. A propósito, herdamos algumas palavras do basco na língua portuguesa (assim como em castelhano e catalão), como “mochila” (motxila) e “esquerda” (ezker).

Entender outras línguas e suas nuances é abrir portas para valores diversos, ampliar a percepção de outras culturas e, por conseguinte, entender melhor nossa própria identidade. Por outro lado, barreiras linguísticas podem ser um obstáculo à integração e até à paz entre as nações. Por exemplo, como o Brasil se inseriria na América Latina se falássemos castelhano ou se as demais nações do continente falassem português?
A alegoria bíblica da Torre de Babel pode ter realmente significado uma punição aos homens. Em contrapartida, a diversidade de idiomas e dialetos gerou uma riqueza de tradições e identidades nacionais que, se bem compreendidas, nos permitem mergulhar em aspectos fantásticos da história da humanidade.
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