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VALESCA DE ASSIS

Toda vida merece um livro

Foto: Banco de Imagens

Mario Vargas Llosa foi e é um grande escritor, tanto como ficcionista, quanto no âmbito teórico. Tenho um livro dele, difícil de achar, onde mostra sua imensa capacidade de explicar o que é complexo para a maioria de nós. Trata-se de “Cartas a um jovem escritor – toda vida merece um livro” (*). Nele, Mario fala sobre escolha de tema, estilo, narrador, tempo e espaço, personagens, enfim tudo o que precisamos saber e muitas vezes não é fácil de decifrar. 

Quando Vargas Llosa afirma que toda vida merece um livro, isso significa que mesmo um pequeno incidente, como por exemplo – o exemplo é meu – uma queda de bicicleta, tema já muitas vezes tratado e de infinitas formas. Mas não importa a grandiosidade do tema e, sim, o modo como se vai contar, ou seja, o nível técnico que o escritor domina. E, sobretudo, o quanto sua imaginação consegue se aprofundar e, depois, se expandir, para expressar uma situação que não será mais de mim e minha bicicleta, e sim um tratamento universal, escrito de modo diferente de todos os demais. Escolher o tema da queda de bicicleta é o ponto de partida. Mas não é o ponto de chegada. Entre um e outro há um longo caminho.

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A seguir vem o que chamo de tempestade cerebral, técnica bem conhecida dos professores e dos artistas: jogar com todas as possibilidades, sem pensar no racional. E, aí, não há limites: 

Quem caiu de bicicleta: eu? o meu irmão? um namoradinho?

Quando: num dia de chuva? Numa data importante? No dia de Natal (na véspera, ganhara a bicicleta)?

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Quando saiu, no dia 25/12, seus pais estavam dormindo? Foi escondido?

Ao bater na fileira de eucaliptos (ou outra árvore cheirosa), se machucou? Muito? Pouco? Bateu com a cabeça?

Ficou com males colaterais: dores de cabeça? esquecimentos? pânico? como o pânico se manifestava? em quais situações ao longo da vida?

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Então, já não se trata mais nem de mim, nem do meu primo ou do namoradinho. Estamos a criar um personagem. 

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Eu escolheria o meu irmão, que saiu de casa no dia 25 de dezembro sem os pais saberem e que lá pelas tantas perdeu o rumo e foi batendo em mais de um eucalipto da plantação, batendo a cabeça de um lado e de outro, até desmaiar. E o personagem vai pegando corpo e consistência:

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O que estudou? Eu escolheria Botânica (e pesquisaria sobre). 

Não posso demorar mais aqui, vou dar um pulo grande: o personagem vai crescendo, casa-se, faz pesquisas na Universidade etc., até descobrir-se, depois de muitos sofrimentos, de pequenas vitórias e mais fracassos, que as crises de pânico aconteciam quando sentia cheiro de eucalipto, fosse em pasta de dentes, sabonetes, chás, fragrâncias ou no seu trabalho de Botânico. Tudo devagar, devagarinho.

Queridos, ainda falaremos muito em Mario Vargas Llosa, se gostarem. 

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Escrevam-me!

(*) Minha edição é a do selo Alegra, da Elsevier, 2006. Publicado originalmente pelo Círculo de Lectores/Galaxia Gutenberg, 1997.”

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