Ela recosta o corpo por entre as acolhedoras raízes da Guajuvira. A subida exige fôlego. Toma alento. Observa as pedras instabilizadas pela declividade e tectônica. “Não deverias falar pedras, mas rochas”, se corrige. Um ruído move seus sentidos para o paredão que se perfila logo adiante. Terá sido um fragmento de rocha que se desprendera? Busca um ângulo melhor de observação. Por entre as frestas nativas uma cidade, não muito distante, aliás, próxima demais, pressiona o que resta do lugar de onde tudo é visto. Pensa nos guardiões da floresta. Dali pode ser percebida qualquer movimentação inquietante.
Por pouco não resvala. As folhas farfalham estranhamente. Estaria o espírito da mata detectando mais um ruído interventor? Haveria, nos dias de hoje, depois de tantos e tantos erros e de tudo que se sabe acerca do valor e benefícios proporcionados pelo Cinturão Verde, pessoas suficientemente inescrupulosas tentando implantar mais um fracionamento, descontinuando o que deveria ser integralidade? Já não basta o que fizemos, todos nós, com o manto verde, de todas as cores, que nos acalenta zelosamente? Demarcado há 31 anos e vivenciado por nativos há mais de três milênios, o templo natural que nos protege segue em risco continuado.
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Ela busca a beira do penhasco. Se percebe nativa. É invadida pela possibilidade de acabar sucumbindo, à semelhança dos que foram dizimados e expulsos de seu chão ancestral. Não, não é digna de se comparar àqueles que sabiam respeitar os espíritos da floresta. Pertence a um tempo em que os “valores” são outros; e disso não se pode escapar? Reflete sobre o noticiário que reverbera em sua mente: esquema de corrupção em alguns projetos minerários em Minas Gerais; biopirataria disseminada; poluição tóxica no trecho do rio Tietê em Salto/SP; queimadas, negacionismo frente às mudanças climáticas, guerras… a lista se alonga…
Suas reflexões se aprumam para o som avolumado de folhas e galhos. Lança olhares para todos os lados. Nada consegue identificar com clareza. Nada? Estarão os deuses soprando segredos que ainda poderão ser compreendidos? Estariam os ventos empurrando o tempo, para dizer que este se faz ansioso por alertar sobre nosso comportamento insano? Até quando os espíritos da natureza nos aguentarão? Sua paciência será ilimitada, ou dela já nos afastamos irremediavelmente? Quando entenderemos o diálogo da Guajuvira daqui com a Sumaúma amazônica, da ancestralidade com a atualidade e desta com a futuridade originária, que encontra amplitude em Ailton Krenak?
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Ela renova o olhar para o abismo. Pensa no fosso que estamos cavando para nós mesmos. Profundidades sem margens. Quase inevitáveis, feito ímãs que norteiam as bússolas, cujos rumos perdemos. Uma renovada lufada de vento, ungida pela umidade restada do amanhecer, se faz aspergir. Todavia, apesar das virtuosas iniciativas preservacionistas, realizadas aqui e mundo afora, o que não pode ser ignorado, o prenúncio da degradação sequenciada se repete em insistência insana, descompromissada com o futuro, atarefada no ofício da destruição. Mesmo assim, a lhe entusiasmar, esperançosa e proativada, observa uma apressada borboleta primaveril. Não está sozinha. Com ela olhos milenares contemplam a borda que despenca em assustadora verticalidade. Olhos vigilantes, poderosos, sagrados, que tudo veem.
Não será “Ela” um pouco da ancestralidade promissora que nos habita?
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VIVAS!
Neste final de semana, o presente, o feito e o a realizar se encontram por ocasião do aniversário de nossa cidade, que transcorre neste domingo. Tempo de reconhecimento, reflexão e de impulso à futuridade socioambiental, até porque nos consolida uma robusta biografia coletiva.
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