Um dos maiores municípios do Rio Grande do Sul em termos de território, com mais de 3 mil quilômetros quadrados, Encruzilhada do Sul aposta no carvão vegetal como nova forma de aproveitamento do seu potencial madeireiro. São mais de 75 mil hectares de área plantada de florestas, ocupando o primeiro lugar no ranking do Estado. O investimento iniciou há 20 anos, com plantações de pinus, e hoje há também eucalipto e acácia negra. As variedades têm sido matéria-prima para os cerca de 15 carvoeiros.
O produto é feito por agricultores familiares, em pequenas e médias propriedades, e vendido para empresas que empacotam e vendem ao mercado estadual. No município, já foram contabilizados cerca de 200 fornos, mas por conta de entraves, dificuldades e queda de mercado, hoje são cerca de 70. A quantidade varia de um produtor para outro – alguns possuem dois ou três e outros, 15 ou 20.
Atualmente, com o crescimento da demanda, principalmente pelo mercado internacional – como a Europa –, o setor quer se reorganizar, lançando mão de novas tecnologias e de licenciamentos. Além disso, com o apoio do poder público, a expectativa é de que programas de incentivo e de fomento auxiliem no processo.
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A partir do auxílio da Prefeitura, por meio das secretarias municipais de Meio Ambiente e de Agricultura; da Emater/RS-Ascar e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o projeto está estruturado em quatro frentes: organização de uma associação de produtores; criação de legislação municipal com protocolo de licenciamento ambiental; transferência de tecnologia, com a reengenharia dos fornos existentes para serem ainda mais competitivos, produzindo com mais qualidade; e criação de marca de identidade regional.
Dion Porto Ferraz, da localidade de Alto da Aviação, se dedica à atividade há cerca de 16 anos. Na sua propriedade são 22 fornos, que mensalmente produzem de 30 a 50 mil quilos. Cada queima, por forno, dura em média 50 horas. A cada 15 dias, ele faz a venda às empresas empacotadoras, em sacos de 10 a 12 quilos, com preço médio de R$ 1,80 por quilo.
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Para dar conta da produção, são necessários cerca de 250 metros de madeira por mês (três mil por ano), e cada metro rende pouco mais de 100 quilos de carvão. Ferraz explica que, para ser autossuficiente, precisaria plantar cerca de 30 hectares por ano durante sete anos, até poder começar a cortar. E após esse período, a madeira ainda precisaria descansar por mais um ano até poder ser carbonizada. “Isso é um investimento de cerca de R$ 1 milhão. Ou seja, não é viável esperar sete anos até poder começar a utilizar a lenha.”
Ele ainda destaca que seu objetivo é obter o selo verde (produto ecológico) para o pacote próprio. “Com utilização de 100% de madeira certificada, mais os licenciamentos, vai ser possível alcançar esta meta”, acredita. “Claro, com a chegada desse apoio da Prefeitura e as possibilidades de adequação das legislações, começamos a ver uma luz no fim do túnel.”
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Outras opções para o mercado
Com a cadeia organizada, a categoria já visualiza alternativas além da produção do carvão. Derivado do processo de queima da madeira na ausência de oxigênio e produzido a partir da condensação da fumaça, o extrato pirolenhoso é utilizado na agricultura como fertilizante e adubo e na indústria alimentar como aditivo para gerar o sabor defumado. Outros usos estão no tratamento de água, na indústria química e na produção de cosméticos.
Além disso, hoje os produtores já fazem a venda da moinha, que é o farelo de carvão vegetal, empregada em jardinagem, indústria siderúrgica e criação de animais. No entanto, sem valorização do produto, por não ser licenciado, a venda representa um retorno de apenas R$ 0,15 por quilo.
O carvoeiro Dion Porto Ferraz já vendeu mais de 100 mil quilos. Com as habilitações, poderia faturar R$ 4 por quilo. “Estamos longe da realidade hoje, mas empolgados de ver que podemos aprimorar nossa atividade e alcançar mercados em que hoje ainda não estamos inseridos”, enfatiza o produtor Clóvis Halinski Cardoso.
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Uso de tecnologias modernas é um dos caminhos
O potencial de produção no município e a necessidade de habilitação do carvão para ser exportado têm recebido atenção do engenheiro florestal Jorge Farias, professor da UFSM. Ele auxilia, em pesquisas e orientações, os envolvidos no projeto de organização do setor.
Segundo ele, a produção de carvão vegetal no Sul do Brasil é altamente compatível com o tamanho das propriedades familiares, contribuindo para aspectos sociais, econômicos e ambientais. “Ele é ecologicamente correto e usa recurso renovável, que são as árvores plantadas. E com o passar do tempo, a partir de novas tecnologias, será o fixador de carbono no solo, estratégia importante para retirar da atmosfera e mitigar o aquecimento global e as mudanças climáticas.”
O coordenador da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Lucas Selbach, enfatiza que o objetivo é organizar a cadeia, com Poder Público, carvoeiros e empresas de madeira. O tripé para estruturar o setor envolve conhecimento, tecnologia e investimento, explica ele. “Com escalas de produção bem consideráveis, o Município se debruça na habilitação do produto para exportação e na busca de formas de fomentar a estrutura dos carvoeiros.”
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O acesso a novas tecnologias para a carbonização da madeira – como a substituição dos fornos de tijolo e barro pelo forno-fornalha – é uma das metas dos articuladores da associação. A estrutura queima os gases nocivos gerados no processo, fazendo-os passar por dutos, o que reduz em cerca de 90% a poluição e melhora o rendimento do carvão. “Na região de Santa Maria, foi implementado em parceria com a Emater. A partir de então, o processo começou a se desenrolar”, relata Selbach. A nova tecnologia melhora o rendimento, não polui e garante mais qualidade e uniformidade do resultado final. O licenciamento, a compra do equipamento e a instalação exigem um investimento de cerca de R$ 10 mil por unidade, e os produtores afirmam que é necessário implantar ao menos quatro fornos, por conta da interligação com o queimador central.
Clóvis Halinski Cardoso, que trabalha com o auxílio de três pessoas na localidade de Caneleira, também comenta que a infraestrutura afeta a produção e a qualidade do carvão e, por isso, a cobertura dos fornos agregaria muito no processo. “Hoje dependemos muito do clima. Em tempos de seca e de calor, a lenha carboniza mais fácil, o que exige menos fogo e gera menos fumaça. E isso tudo influencia também na qualidade do carvão.”
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