A primeira imagem que volta é um arrepio. Quatro décadas depois de ser coroada rainha da Oktoberfest de Santa Cruz do Sul, em 1985, Márcia Wink segue reconhecendo na festa um território afetivo. Em 2025, completa 40 anos de reinado, uma expressão que, no caso dela, designa menos um título e mais um compromisso. “Nós amamos, né? Nós amamos essa festa”, reforça. Foi assim desde o início. Na adolescência, entrou na escolha por brincadeira. Aconteceu rápido e, com 15 anos, venceu. “Foi surpresa para mim”, lembra.
A surpresa virou responsabilidade; a responsabilidade, presença. No ano seguinte, já estava de volta à festa, somando, ajudando, desfilando. Nos primeiros anos, os desfiles ainda eram simples, sem carros alegóricos. “Nós íamos em jipes. Sentadas no capô, muito ‘finas’”, recorda. Havia chuva, às vezes correria, e uma equipe que se tornaria parte da sua biografia. “Me familiarizei com a turma da Secretaria de Turismo, ia visitá-los, tomar um chimarrão. Era a nossa família da Oktoberfest.” É nessa lógica que Márcia se posiciona até hoje, razão, entre tantas, pela qual o grupo de soberanas com quem segue compartilhando momentos a chama carinhosamente de “rainha mor”. O apelido lhe cai bem.
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A escolha que muda a vida
O ano de 1985 dividiu o antes e o depois. Não houve cálculo estratégico, nem manual. “Eu tinha uma dificuldade com o microfone, fugia”, admite Márcia. Havia inocência e coragem nas mesmas doses. As colegas mais velhas ajudavam e ela aprendia depressa a arte de representar sem perder a medida. O que ficou foi o pertencimento e, com ele, a noção de continuidade.
Márcia atravessou fases. Em 2005, decidiu que viveria a Oktoberfest ainda mais intensamente, mesmo que fosse sozinha. Ela sabia que, chegando lá, nunca estaria só. “Lá tínhamos o nosso grupo.” Da amizade nasceram camisetas, encontros e um vestido “pretinho básico” desenhado por ela para as soberanas. “No ano seguinte, todo mundo já tinha um traje igual ao nosso.”
A moda é um detalhe, mas descreve um traço: Márcia organiza, convoca, puxa o fio da tradição e ajuda a alinhavar. Em 2008, por exemplo, foi o único ano em que não desfilou. Estava em Mato Grosso, a trabalho. “Coração estava triste, chorando, mas torcendo pelas gurias aqui.” Voltou em dezembro e, nos anos seguintes, redobrou a presença. Esse traço reapareceu agora, quando aceitou um convite especial. Em agosto deste ano foi jurada na escolha das soberanas.
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Márcia entrou em silêncio, como um segredo compartilhado com poucas amigas. Sentou, observou, mediu com o coração e com o senso de responsabilidade que desenvolveu em quatro décadas.
“É tão bom receber esse elogio em vida”, resume sobre ter sido lembrada para a função. Mas o foco, insiste, precisa estar na essência. “Não é um concurso de beleza. É uma vivência para o resto da vida e é preciso viver e amar a festa.” Orgulhosa, elogia a rainha e as princesas de 2025. “Estou feliz porque fiz a escolha certa.”
Memória é coisa viva
Para Márcia, o tempo é matéria que se pode tocar. Mais especificamente, na forma do avental que vestiu em 1985, ano em que foi eleita, e que reformou para usar em 2025. “Neste ano vou reviver as memórias.” O avental é parte do vestido que usou como rainha e que veio da irmã, Suzana, confeccionado em 1978 pelo costureiro Ruben Dick. “Serviu perfeitamente, usei a blusa, o avental. E ganhei.”
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A cena revela um estilo simples, clássico e romântico. Branco nos aventais rendados, mangas bufantes de época. “Gosto de guardar algumas coisas para memória”, revela, traduzindo seu modo de cuidar. Esse cuidado se estende à vida fora da festa. Márcia estudou, trabalhou, se reinventou. Formada em Nutrição, passou pela área, estudou Arquitetura por um período e, em meio às mudanças pessoais, tornou-se técnica de enfermagem. “Poder ajudar, às vezes com um sorriso ou um acolhimento ao paciente, muda tudo.”
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Márcia fala em missão, resgates e fé. O vínculo com o Centro Espírita Chico Xavier é antigo; o voluntariado, uma prática. Depois de cada Oktoberfest, quando a intensidade baixa, ela busca recompor as energias. “Vivo muito intensamente esse momento.”
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A mulher que fica
Há um ponto que volta à sua fala: “As comissões passam, as soberanas ficam”. Márcia ressalta que não é uma crítica, é uma lembrança de responsabilidade. Por isso, ela cobra, com cuidado, e defende o lugar de quem trabalha voluntariamente pela Oktoberfest. “Não importa o ano, não importa a idade, o que importa é o amor pela festa.”

Márcia gosta de dizer que é sagitariana, “de fazer as pessoas rirem.” Gosta de ficar em casa, aprendeu a estar só, reconhece os ciclos. Teve o filho, Mário. Hoje, vibra com a neta, Alana. Fala da mãe, que já partiu, e do pai, com quem divide dias de carinho, cuidado e retribuição. Fala da cidade que mudou, do parque que encheu como nunca, de um turista alemão que definiu a festa como “carnaval” – ela sorri, pondera e segue. Porque, para ela, a Oktoberfest é o que sempre foi: um encontro. De gerações, de histórias, de quem chega e de quem fica.
Quarenta anos depois, Márcia volta ao mesmo verbo da primeira resposta: amar. “Vamos com mais alegria, com mais incentivo, com esse brilho.” O brilho, talvez, seja essa capacidade de transformar lembrança em ação, e ação em memória. Como quem sabe e demonstra que tradição só existe quando é vivida.
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