Marcelo (Wagner Moura) para o carro em um posto de gasolina e depara-se com um corpo estirado no chão, tapado por pedaços de papelão. Descobre que o morto havia se metido em uma confusão e estava há dias naquele estado. Cães tentam alimentar-se do cadáver, mas são afastados pelo frentista. Uma família aproxima-se do local, mas decide seguir, aos gritos, após ver o cadáver.
Marcelo questiona o atendente sobre a polícia, justo na hora em que uma viatura com dois oficiais chega ao estabelecimento. No entanto, a dupla estava mais preocupada em preencher o caixinha do carnaval e seguem frustrados, sem que o morto finalmente seja removido. É esse clima de western moderno cheio de violência e humor que abre O Agente Secreto, novo filme de Kleber Mendonça Filho. Ambientado no Brasil de 1977, em uma época cheia de pirraça, acompanhamos a chegada do protagonista em Recife tal como Clint Eastwood na Trilogia dos Dólares. No lugar do cavalo, um fusca amarelo – mais brasileiro, impossível.
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Seu retorno à capital pernambucana é envolto por mistérios. Além do seu carisma, pouco sabemos sobre os motivos de estar na cidade, o que nos mantém ainda mais atentos à tela. Ainda que tensa, a jornada é marcada por figuras icônicas e situações hilárias. É aí que a obra de Mendonça Filho brilha, combinando um roteiro repleto de falas e momentos marcantes, marcados pela violência e bom humor, e um elenco sensacional. A começar por Wagner, no auge da sua carreira, em uma das suas melhores atuações, superando até mesmo o trabalho em Tropa de Elite e Narcos. Mas ele não é o único que rouba a cena. Aliás, a competição aqui é de alto nível.
Não há como falar do elenco e dos personagens de O Agente Secreto sem mencionar Dona Sebastiana, que administra o prédio no qual Marcelo vive com um grupo de refugiados. A atriz, Tânia Maria, é um espetáculo à parte e rouba a cena a cada momento em que aparece, arrancando risadas com suas histórias e emocionando na hora certa. Não é à toa que Maria é cotada para o Oscar de atriz coadjuvante. Outro destaque é Hermila Guedes, atriz homenageada no 6º Festival Santa Cruz de Cinema, que também vive no refúgio.
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Para além do talentoso time de atores e personagens incríveis, a jornada de Marcelo é marcada por situações de pura brasileirice. Mendonça Filho insere na história fatos que podem soar bastante absurdos, mas certamente alguém já testemunhou ou leu a respeito. Marca do diretor e roteirista – como visto em Bacurau, por exemplo –, O Agente Secreto aventura-se por diversos gêneros do cinema, como comédia, thriller e western (com direito até a tiroteio no clímax) de forma única. Isso porque o filme é, acima de tudo, essencialmente brasileiro, tornando a experiência ainda mais imersiva para nós.
Em conversa com o diretor, durante coletiva em Porto Alegre, questionei-o sobre o barulho e o agito que o filme provocou em sua trajetória internacional. Respondeu que eu, como observador externo, saberia explicar. Trata-se de uma narrativa universal, que pode ser facilmente captada e compreendida por todos. O Agente Secreto rompeu fronteiras e tornou-se uma obra brasileira para o mundo.
Atento às expectativas
Por ser o grande cotado para o Oscar 2026, O Agente Secreto chega aos cinemas de Santa Cruz do Sul sob muita expectativa. No entanto, aqueles que esperam uma obra similar a Ainda Estou Aqui, que garantiu a primeira estatueta para o Brasil, é melhor se prepararem. Embora os dois filmes se passem no Brasil da década de 1970, durante a ditadura, as comparações terminam aqui. O longa-metragem de Walter Salles é um drama familiar sobre um dos casos mais marcantes do período, evidenciando os horrores provocados pelas autoridades com o sequestro e assassinato do ex-deputado Rubens Paiva.
Já O Agente Secreto não busca denunciar os crimes perpetuados pelos governantes. Como o próprio Mendonça Filho frisou na coletiva com a imprensa gaúcha, a palavra “ditadura” nem sequer é mencionada.
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Isso, no entanto, não significa que as referências ao período – assim como casos de corrupção e violações aos direitos humanos – sejam ignoradas. Pelo contrário, mas não é o foco.
A Recife de 1977 da história é colorida, cheia de vida, alegria e muita pirraça, muito diferente do Rio de Janeiro visto em Ainda Estou Aqui. O surrealismo também está presente, especialmente no momento em que o roteirista decide introduzir na história o cabuloso caso da “perna cabeluda”, que ganhou destaque nos jornais da época (uma maneira de brincar com a censura imposta pela ditadura).
Não só isso, mas O Agente Secreto encerra-se de uma maneira anticlimática que pode frustrar quem esperava um final sem pontas soltas para a história de Marcelo. Há, no entanto, um propósito para a escolha narrativa em denunciar o esquecimento coletivo de um povo que optou em deixar de lado os crimes e horrores que viveu. Dito isso, O Agente Secreto é uma experiência única para ser vista e apreciada no cinema. Graças a ele, o Brasil terá mais Oscars para chamar de seus.
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