Com informações de Romar Beling/enviado especial
Uma das lideranças que acompanha diretamente de Genebra, na Suíça, a 11ª Conferência das Partes (COP-11) é o vice-presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Romeu Schneider, que também preside a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Tabaco. Ele conversou na manhã desta quarta-feira, 19, com o enviado especial da Gazeta Grupo de Comunicações, Romar Beling, e falou sobre suas percepções acerca do evento e da cadeia produtiva do tabaco. Antes da entrevista concedida à reportagem, Schneider participou de um briefing conduzido pelo embaixador Tovar Nunes.
Entrevista – Romeu Schneider, vice-presidente da Afubra e presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Tabaco
- Romar Beling/enviado especial – Como avalias esses movimentos dos primeiros dois dias da COP e essa conversa com o embaixador Tovar Nunes? Esse afastamento ou a proibição de participar das discussões é uma consequência da posição do governo brasileiro. Infelizmente, precisamos nos sujeitar a isso, não se pode tomar nenhuma atitude mais radical para não ser expulso. Aliás, já fomos expulsos diversas vezes. Isso nos deixa indignados, porque até os ministérios não têm voz ativa, porque quem comanda o espetáculo ali e manda mesmo na organização, é apenas a Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro (Coniq). Nós temos uma instituição dentro do governo federal que recebeu autonomia para poder decidir o que fazer, o que não fazer, mesmo que todo o resto esteja contra. Falando sobre o encontro com o embaixador Tovar Nunes, nós tivemos contato com ele em maio e trouxemos todas as informações sobre o setor. Mas ele também está sendo monitorado. Ele só pode fazer ou decidir alguma coisa baseado nas orientações que recebe do executivo brasileiro.
- Na condição de presidente da Câmara Setorial, gostaria que o senhor expusesse um pouco, por exemplo, essa atitude do Brasil com relação a representantes da cadeia produtiva no Brasil. Ela é similar à de outras nações? Não, a posição do Brasil é totalmente diferente. A posição do Brasil é de decisão em cima das questões da própria Convenção-Quadro, enquanto os outros países se posicionam de uma forma diferente. Sendo uma conferência das partes, precisam estar todas as partes participando, discutindo e dialogando para se chegar em um denominador comum mais efetivo. Infelizmente, no Brasil, isso não está sendo olhado dessa forma, está sendo totalmente unilateral, em que eu, inclusive, tenho chamado sempre de ditadura, porque é tratado da forma como uma ditadura se instala. No Brasil, infelizmente, é assim. E muita gente ainda não se deu conta disso. Então, as questões que são discutidas aqui, sabemos que levam consequências principalmente para a produção, porque se você produz alguma coisa, você precisa ter consumo para isso. No momento que não há mais consumo, não adianta produzir porque você não tem para quem vender. Temos uma convicção de que o consumo de cigarros existe há séculos, podemos dizer assim. Em 28 de outubro de 1492, quando a frota do Cristóvão Colombo chegou em Cuba, eles já encontraram as pessoas fumando folhas de tabaco. E, com certeza, enquanto existir pessoas na face da terra, vai ter consumo de tabaco. E se estão sendo colocadas restrições ou impedindo de poder comercializar legalmente, vai ter a comercialização ilegal, isso nós temos total certeza e ninguém vai conseguir impedir isso. Sempre tenho essa convicção de que nós precisamos encontrar o meio do caminho, um equilíbrio nessas decisões sem radicalismo.
- A COP chega aos seus 20 anos e nessas duas décadas tem insistido em como vai acabar o cigarro. O Brasil colheu uma das maiores safras de sua história na última safra, mas não é só o Brasil que está aumentando, a África está aumentando de forma considerável a produção. Que tipo de pensamento isso gera no movimento antitabagista? Inclusive, a posição daqueles países da África, os que foram nomeados por parte do governo são os defensores do tabaco. É permitido que eles possam participar, enquanto no Brasil é tudo baseado em cima do artigo 5.3 que não permite a participação de qualquer um que tenha alguma coisa a ver com o tabaco. E aí eu tenho que lembrar que essas pessoas que estão lá trabalhando para o governo brasileiro, recebem salário. Este salário é pago por parte dos impostos arrecadados do tabaco. E aí, obviamente, eles também têm algum benefício do tabaco. Mas nós temos que nos lembrar que precisamos também ter esses países lá para poder colocar a posição deles e termos uma decisão mais equilibrada. O Brasil jamais poderia ter ratificado a Convenção-Quadro. Países como o Zimbábue, por exemplo, que tiveram na última safra passando de 280 mil toneladas para 355 mil toneladas e já anunciaram um aumento de produção para mais de 400 mil toneladas na próxima safra. E não podemos esquecer de que estes são os principais concorrentes do Brasil porque eles produzem um tabaco muito semelhante com o tabaco brasileiro em termos de qualidade. Quando nós olharmos, por exemplo, na questão do tabaco flavor, o tabaco que dá o sabor ao cigarro, este tabaco também é produzido pelo Zimbábue. E o Brasil hoje é o grande fornecedor desse tipo de tabaco, mas estamos entregando isto para outros países querendo resolver um problema por um lado e pelo outro lado estamos criando, certamente, um problema bem maior.
- No Brasil se busca falar em inibir ou reduzir, ou inclusive substituir a produção de tabaco. Mas, com o evento acontecendo em Genebra e na sede da OMS, se encontra todos os produtos de tabaco à disposição, inclusive fumantes, junto à embaixada e junto ao Centro de Convenções. Como entender esse paradoxo? Jamais vai deixar de existir fumantes no mundo. Isso vai continuar e vai ser cada vez com mais intensidade, porque se nós, por exemplo, olharmos o trabalho que sempre é salientado nesses últimos 20 anos da existência da Convenção-Quadro de Controle do Tabaco, houve um aumento do número de fumantes no mundo, porque percentualmente em relação à quantidade da população, eles sempre anunciam o percentual, porque isso mostra uma redução proporcional ao número de pessoas existentes. Porém, se nós olharmos pelo número de fumantes que havia há 20 ou 30 anos, hoje nós temos muito mais fumantes e isso nos prova de que haverá um crescimento de consumo sempre. Todos os anos nós temos uma média de crescimento de consumo de algo em torno de 1,5%. Sabemos que, dentro desses números, também não estão previstos e não estão sendo calculados a quantidade de cigarros consumidos que são do mercado ilegal, que está beirando os 40% no Brasil. Tem países onde esse percentual é muito mais alto e aí temos convicção de que há um crescimento, há inclusive uma necessidade de quantidade maior de tabaco para atender esse mercado. Aqui na Suíça temos uma percepção diferente do que nós temos lá, porque aqui há uma liberdade bastante grande em relação à questão do consumo. Apesar de que a Suíça sempre foi um país neutro, um país se colocando numa posição para provar de que as pessoas têm os seus direitos, têm as suas decisões e podem fazer o que querem fazer porque, afinal de contas, não dá para restringir a liberdade de todo mundo. Essa é uma das questões que temos defendido porque sempre quando se discute alguma coisa você precisa ter diálogo, você deve levar em consideração os dois lados antes de tomar uma decisão. Mas não querer impor isso de uma forma tão ditatorial como está sendo feito na questão da Conferência das Partes.
- Que tratativas o senhor planeja ou imagina agora a partir do que está enxergando na COP-11 quando retornar e tiver as suas primeiras atividades em nome da Câmara Setorial? Nós teremos a última reunião da Câmara Setorial deste ano no dia 2 de dezembro. Será uma reunião virtual, sem dúvida alguma. Esses pontos todos serão colocados e sei que isso será levado para o governo através do Ministério da Agricultura. Também tenho ciência de que o representante do Ministério da Agricultura dentro da Coniq é uma pessoa monitorada e não tem voz ativa. A Câmara Setorial representa, dentro do Ministério da Agricultura, os quatro pilares que são os produtores, os trabalhadores da indústria, a indústria e o próprio governo e, queira ou não queira, o tabaco tem uma importância econômica e social muito grande para o Brasil e isso não está sendo levado em consideração.
- Poderia apontar ao menos um ponto positivo e algum contraponto do que está enxergando aqui nessa COP e da presença da delegação da cadeia produtiva? Temos lido críticas de que não há necessidade de que os representantes das instituições da defesa do tabaco estejam aqui, porque é uma perda de tempo. É exatamente o contrário. O que percebemos é que isso tira a tranquilidade e a liberdade dos que estão aqui participando das discussões, porque eles estão se sentindo pressionados pelo grupo aqui do Brasil, que esse ano está aqui em maior número, inclusive com muitos deputados federais, estaduais e prefeitos. Nós temos no Sul do Brasil 138 mil famílias produzindo tabaco e que dependem desta atividade e são todos pequenos. Sabemos que todas as tentativas que já foram feitas em eliminar o tabaco e substituir por outras culturas não deram resultado positivo.
- Como o senhor vê a importância da atuação da imprensa, que apesar de não poder ter acesso nas diferentes plataformas, mas muito especialmente também hoje pelas redes sociais tem agido e atuado para mostrar o que aqui acontece? O trabalho que a imprensa está fazendo é muitíssimo importante. Isso nos dá uma decepção muito grande, primeiro porque não há transparência por parte do próprio governo naquilo que diz e naquilo que faz e impede o acompanhamento ou a participação pelo menos para escutar o que está sendo discutido e decidido. A imprensa não pode estar presente. Muitos órgãos de imprensa se deslocaram e estão fora daquela discussão e não podem simplesmente participar de nada.
Confira no vídeo abaixo a entrevista com Romeu Schneider na íntegra
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