O país é o maior entre os exportadores de tabaco de alta qualidade. Mas chega ao final da COP-11 também como o grande líder global contra esse setor, imbatível na perseguição à produção e ao comércio
A 11a Conferência das Partes (COP-11) da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco chega ao fim neste sábado, 22, em Genebra, na Suíça, revelando o Brasil como duplamente campeão mundial: na exportação de folhas, de forma imbatível desde 1993, o que evidencia a sua eficiência na produção, a sua competência na abertura de mercados e a sua confiabilidade no fornecimento de produto íntegro e de qualidade; e, em paralelo, no antitabagiamo. Esta edição do evento revelou uma delegação oficial determinada a propor temas polêmicos e arrojados contra o cigarro (com peso para afetar todos os elos do setor), a exemplo da eliminação do filtro nos cigarros convencionais. E esse tema só não avançou nos debates, diante da insistência e persistência dos delegados brasileiros, porque outros países o rechaçaram.
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É uma estranha política, a adotada pelo Brasil, uma vez que se trata do segundo maior produtor mundial, atrás da China, que colhe o equivalente a três vezes os volumes nacionais. Enquanto diversos dos concorrentes diretos do tabaco brasileiro não ratificaram a Convenção-Quadro, caso da Argentina e dos Estados Unidos, e não se orientam e nem levam em conta qualquer deliberação dela advinda, o Brasil se coloca na linha de frente do combate ao setor e ao produto, ainda que tenha nele uma base da economia e um item relevante de sua balança comercial.
A Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro (Conicq) até veio a público durante o evento com a divulgação de uma nota afirmando que proposta apresentada de sugerir a proibição do cultivo de tabaco, em definitivo até 2040, vinha do Canadá, e não da delegação brasileira. Mas a postura do país nunca deixou de insinuar que seria preciso “substituir” o tabaco por outras culturas nas pequenas propriedades, pois o comércio das folhas estaria com os dias contados. E ainda que o governo tenha elaborado uma Declaração Interpretativa, em 2004, pela qual se compromete a não prejudicar nem a produção, nemno comércio, na prática afronta essa mesma declaração a cada nova COP, e na postura de sua delegação.
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Outra observação sempre feita por membros da delegação oficial do país é de que a COP apenas define recomendações, e não determinações ou imposições. No entanto, é difícil não desconfiar da disposição do governo brasileiro em adotar políticas cada vez mais rígidas, tendo em vista que o Brasil tem a legislação mais restritiva do planeta contra produtos de tabaco e até cria empecilhos à destinação de recursos públicos para a agricultura familiar que tem no tabaco uma fonte de renda. Nessa área, países concorrentes, em especial a Argentina e os da África, financiam o produtor de tabaco e até mesmo o subsidiam.
Mais um aspecto no qual o Brasil segue na contramão é no que tange à liberação de dispositivos eletrônicos para fumar, os chamados cigarros eletrônicos. Cerca de uma centena de nações já regularam esse mercado, enquanto o Brasil proíbe, e no entanto é inundado por produto ilegal, contrabandeado, num visível contrassenso, diante do descontrole no comércio. Na Suíça, por exemplo, que não produz tabaco, todos os produtos são liberados e o comércio e o consumo são de tal forma livres que se pode adquirir cigarros convencionais e eletrônicos em qualquer mercadinho ou supermercado. Ali há dezenas de opções à disposição, e em diversas faixas de valor, dos bem baratos aos caros, que sugerem status de consumidor.
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Por fim, ainda que as decisões anunciadaa em uma COP sejam sempre recomendação, o fato é que o Brasil é muito ágil em implementar as novas determinações em âmbito doméstico. Por isso, a leitura de lideranças do setor é de que, no caso dos filtros, caso essa proposta tivesse avançado, não seria surpresa se a delegação tivesse vindo a Genebra já com um projeto de lei previamente elaborado no país para colocar em prática tal regra, talvez na dianteira de todas as demais nações.
Ao mesmo tempo, permaneceu intacta, em Genebra, a determinação da Conicq de barrar no ambiente da Conferência qualquer pessoa que tenha identificação com a realidade da produção. De certo modo, é como se esse organismo e os membros da delegação tivessem atribuído a si o direito exclusivo de decidir sobre a vida de milhares de produtores, ou sobre os rumos de um setor económico, sem dar, sob nenhuma hipótese, a esses produtores a oportunidade de dizerem o que eles próprios pensam ou pretendem. O recado de membros da delegação é: ‘nós estamos aqui para salvar vocês”. Mas será que estes querem mesmo ser salvos, ou há de fato algo de que precisariam ser salvos?
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O contraste entre a atitude da Conicq e a de outras nações é flagrante. Enquanto o Brasil rechaça pessoas do setor produtivo e industrial, países da África e da Ásia têm em suas delegações membros que defendem justamente a produção, posicionando-se contra qualquer medida que possa comprometer o cultivo e o comércio. E a própria Comunidade Europeia tem deputados na conferência, em um tempo no qual o Brasil barra seus representantes eleitos pela população. Pelo visto, as tarefas de casa, no Brasil, em sua política envolvendo o tabaco e o cigarro, ainda são imensas, árduas. Não contra o tabaco, já perseguido e aviltado a um nível incompreensível, mas no sentido de isonomia, justiça e respeito para com esse setor.

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