ACONTECEU COM ALICE MILLER, psicóloga polaco-suíça (*), mas poderia ter sido com qualquer de nós: numa tarde de dezembro, caminhando no parque, Alice avistou um grupo à espera do Papai Noel. A excitação era visível. Nervosas mamães ajeitavam roupas, toucas e cabelos dos filhotes, enquanto eles repassavam a cantiga ou o poema que apresentariam ao bom velhinho.
Alice suspendeu o passeio e sentou-se na relva, ali perto, a observar. Em pouco tempo chegou o Papai Noel, majestoso no seu traje vermelho. Depois de um significante silêncio, começou a chamar as crianças pelos nomes, de cada um tendo algo a reclamar: “Luizinho, então continua a fazer xixi na cama? Papai Noel não gosta disso, nem um pouco!” E, mudando a inflexão: “Ei, quero ouvir o versinho que decoraste para mim. Se estiver certinho, te darei a bicicleta que pediste”. E, para uma menina: “Marga, já sei que não tens ajudado a mamãe a cuidar do teu irmãozinho. Isso não é nada bonito!” Logo, em outro tom: “Se cantares, inteira, uma linda canção de Natal, o Papai Noel vai te trazer uma boneca loira, bem grande, quase do teu tamanho”.
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Nem é preciso dizer que todas as crianças falharam nas apresentações artísticas. Paralisadas. Então era verdade que Papai Noel tinha um livro bem grosso, onde anotava todas as malcriações e desobediências do mundo? E, mais, o bondoso ancião era capaz de humilhar uma criança, expondo, em público, seus mais íntimos segredos?
Mas, quem teria contado aquilo ao Papai Noel? Quem? Ninguém menos do que as mães e os pais delas, fontes, até então, de todo amor e confiança. Vendo que nenhum adulto parecia aperceber-se do terror que tomara conta dos pequenos, resolveu intervir: “Olha, gente…” Nem pôde concluir a primeira frase e já as mães a enxotaram dali.
Sem ouvintes na ocasião, Alice Miller não descansou antes de tratar, em seus livros, do episódio que a levou à questão: por que as mães (e os pais) que um dia se sentiram tão invadidos nos encontros com Papai Noel, permitem, agora, essa mesma dor para suas crianças?
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O texto acima é uma homenagem ao meu próprio sofrimento infantil com o Papai Noel e ao de todas as crianças do mundo que sofreram desse medo. Resulta do conjunto de leituras de Alice Miller, onde encontrei as respostas: O drama da criança bem-dotada, A revolta do corpo, A verdade liberta. Nessas três obras, Alice trata dos sofrimentos infantis. Para mim foram decisivos.
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(*) Alice Miller nasceu na Polônia, mas desenvolveu seu trabalho na Suíça.
Obrigada por me ouvirem!
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