Caminhando entre as colunas da magnífica catedral de Córdoba, percorrendo o deslumbrante Palácio Alhambra em Granada ou admirando a arquitetura mourisca de Sevilha e da região da Andaluzia, busco avidamente a oportunidade de mergulhar em uma rica cultura, escrita nas construções, na língua, nos sons e nos sabores berberes e árabes. Os reis da Reconquista, Isabel e Fernando, e seus sucessores tentaram apagar da história os quase oitocentos anos de presença moura. Certas marcas, porém, são indeléveis e continuam a nos influenciar.

Os mouros – povos majoritariamente berberes do Norte da África, vindos das regiões onde hoje estão Argélia e Marrocos – viviam em uma área então conhecida como Mauritânia, nome hoje atribuído a outro país, mais a oeste. No século 7, com a expansão do islamismo, o Califado Omíada passou a controlar a região entre o Saara e o Mediterrâneo, conhecida como Magrebe.
Enquanto isso, na Península Ibérica, o reino visigodo enfrentava uma guerra civil entre Rodrigo, no sul, e Ágila II, que controlava áreas do nordeste da Espanha e sul da França. O governador omíada do Norte da África, Musa ibn Nusayr (640–716), viu ali uma oportunidade de expansão, imaginando a península como rota estratégica para a cidade mais poderosa da época: Constantinopla.
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Em 711, Musa enviou cerca de 7 mil soldados berberes e árabes sob o comando do general Táriq ibn Ziyad. As embarcações cruzaram o estreito e chegaram à região montanhosa no extremo sul da Espanha. O local ficou conhecido como “Jabal Táriq” – o “Monte de Táriq” – origem do nome Gibraltar. As tropas de Táriq derrotaram o exército de Rodrigo, o que abriu caminho para a expansão muçulmana por toda a península. Surgiu o Emirado de Al-Andalus, com capital inicialmente em Sevilha e, depois, em Córdoba.
Para muitas populações locais, tratou-se de uma substituição de um poder por outro. A partir de 756, já sob o Emirado independente de Córdoba e, depois, sob o Califado de Córdoba (a partir de 929), cristãos e judeus podiam manter sua fé mediante pagamento de tributos.

Iniciavam-se quase 800 anos de presença moura na península – mais tempo que os períodos romano e visigodo somados. A Grande Mesquita de Córdoba, hoje catedral católica, começou a ser construída em 785. Por volta do ano 1000, Córdoba era uma das maiores e mais prósperas cidades do mundo, a primeira da Europa com iluminação pública.
Os mouros trouxeram grandes avanços ao continente europeu. Ao contrário de muitos reinos cristãos da época, o conhecimento científico era amplamente valorizado no mundo islâmico. Matemáticos, astrônomos, geógrafos e filósofos foram atraídos para Al-Andalus. Instrumentos náuticos árabes, como o astrolábio, tiveram papel essencial no desenvolvimento das posteriores navegações portuguesas e espanholas.
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As divisões políticas (taifas), iniciadas no século 11 e intensificadas no 12, favoreceram a expansão dos reinos cristãos do norte, como Astúrias, Leão e Castela. A partir da Galícia, formou-se Portugal, em 1142, avançando até o Algarve em 1249.
O casamento de Isabela, do Reino de Castela, com Fernando de Aragão, em 1469, uniu forças que culminaram na tomada de Granada, o último califado, em 1492. Judeus e muçulmanos, inicialmente confinados em mourarias e judiarias, foram então obrigados a se converter ao cristianismo ou a deixar o reino. A língua árabe foi proibida, costumes foram vetados e uma cultura de sete séculos sofreu ampla perseguição. Hoje chamaríamos de cancelamento.
Ainda assim, a herança moura permanece viva. Por volta do século 10, as línguas ibéricas estavam em formação, e o árabe era amplamente falado. Não surpreende que centenas de palavras árabes tenham sido incorporadas ao português, espanhol, catalão e galego. Apenas na letra A: açúcar, alface, algodão, alfândega, azul, arroz, azeite, álcool, açafrão, alcachofra, alquimia, entre muitas outras. Também vêm do árabe palavras como enxaqueca (meia-cabeça), laranja, açougue, fulano e sofá.
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Na culinária, os mouros introduziram o arroz, a cana-de-açúcar e diversas leguminosas, além de técnicas agrícolas inovadoras. Na arte e na arquitetura, o estilo mourisco segue presente em Espanha e Portugal. Na música, ritmos do Magrebe influenciaram o flamenco espanhol o fado português. São marcas que mostram como o conhecimento pode superar preconceito e conflitos raciais – infelizmente crescentes no continente europeu –, se houver menos interesses mesquinhos e mais compreensão histórica.
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