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LUIZ AFONSO SENNA

Trens fora dos trilhos e sem rumo

O Brasil não é para amadores. No país do jeitinho e do improviso institucional, as ferrovias provam que o inimaginável é rotina. Ferrovias são monopólios naturais, com custos irrecuperáveis (os chamados sunk costs), investimentos que, uma vez realizados, não podem ser recuperados nem deslocados. Ninguém carrega uma ferrovia nas costas. Ou quase ninguém. O “jeitinho brasileiro” conseguiu o inimaginável: no Rio Grande do Sul, a concessionária Rumo Logística, responsável pela Malha Sul, literalmente removeu trilhos de trechos inoperantes no Estado para reaproveitá-los em outro Estado. Um absurdo sob qualquer ponto de vista.

Apesar da vocação exportadora de commodities, o Brasil explora pouco seu potencial ferroviário. A participação no transporte de carga é pouco maior do que 20% da matriz nacional. Ferrovias eficientes reduzem custos logísticos e impulsionam o PIB; a ineficiência, ao contrário, agrava o “Custo Brasil” e, no caso gaúcho, acrescenta-se o “Custo Rio Grande”.

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As ferrovias no país são marcadas por ciclos de expansão e abandono. Após décadas sob gestão da estatal RFFSA, houve a concessão à iniciativa privada nos anos 1990. A premissa é que o setor privado traria investimentos, eficiência e maior capacidade de gestão. A Malha Sul foi concedida em 1996 e, após fusões e aquisições, passou ao controle da Rumo Logística. Os cerca de 7 mil quilômetros de rede são em bitola métrica, tecnologia limitada, com menor capacidade e incompatível com outras redes de bitola com padrão internacional.

A União gere a rede de ferrovias interestaduais, garantindo coordenação nacional e retorno social dos investimentos. Porém, o modelo de concessão adotado fracassou na Malha Sul: desde 2006, o transporte ferroviário no RS caiu 50%. Em 2024, apenas 921 dos 3.823 quilômetros concedidos estavam ativos; o restante foi desativado ou destruído pelas enchentes, sem previsão de recuperação.

A prorrogação antecipada da concessão por mais 30 anos, sem garantias robustas de novos investimentos e de recuperação da malha, perpetuará um modelo de omissões, incompetências e ineficiências. Em uma nova concessão, o fracionamento da rede entre trechos rentáveis (filé) e deficitários (carne de pescoço) inviabilizará ganhos de escala e escopo, típicos de redes, e comprometerá a logística.

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A imagem na parte superior desta coluna, mostrando a retirada de trilhos no Rio Grande do Sul, é chocante. A concessionária afirma ter autorização do poder concedente para fazê-lo. Se o for, trata-se de um escândalo. Surpreende a postura branda dos órgãos de controle, como TCU e MP, e da própria ANTT, que acompanharam silenciosos a todo o processo de sucateamento da rede.

O trilho que o Brasil precisa seguir é aprofundar a reforma do Estado, reforçando a separação das funções de poder concedente, agência reguladora e concessionária, e fazer cumprir plenamente os contratos, com foco no interesse público. O Brasil e o Rio Grande do Sul não podem ficar parados porque lhes roubaram os trilhos. É o descarrilamento institucional e a omissão do poder público, disfarçados de gestão moderna.

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