Mais de um ano e meio após a catástrofe climática que devastou Sinimbu, a realidade de centenas de famílias atingidas pela enchente ainda é marcada pela espera e pela vulnerabilidade. Com casas destruídas e vidas desorganizadas, o processo de reconstrução tem avançado a passos lentos, esbarrando na burocracia e na demora dos programas governamentais para a entrega de novas moradias. Enquanto o município tenta reorganizar a vida de seus 800 desabrigados e 1,2 mil desalojados, o comércio local também se recupera gradativamente.
A proximidade do Natal e a chegada do fim do ano intensificam o contraste entre a festividade e a permanência da dor. Famílias como a de Neusa Greiner, que perdeu tudo em minutos, mantêm a esperança de ter a chave do novo lar em mãos antes das celebrações, transformando a tristeza sentida nas festividades anteriores em alegria e segurança. No entanto, a perspectiva de entrega de muitos imóveis, mesmo por meio de programas como o Compra Assistida, ainda aponta para meados de 2026, prolongando a angústia de quem busca reaver a dignidade e o direito ao cotidiano.
Apesar da lentidão, iniciativas de reconstrução habitacional e econômica se articulam. Além dos programas federais, a sociedade avança na construção de chalés e o Município planeja uma agroindústria coletiva para impulsionar a economia rural. No front da prevenção, Sinimbu aprimora o mapeamento de áreas de risco e busca um estudo aprofundado com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) para mitigar problemas futuros. No entanto, a confiança econômica e a infraestrutura ainda carecem de recuperação total, evidenciando que a tragédia de 30 de abril de 2024 ainda impacta a vida da comunidade neste final de 2025.
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As águas baixaram, mas a realidade de muitas famílias permanece suspensa: casas destruídas, vidas desorganizadas e a espera que parece não ter fim pela entrega de novas moradias. A burocracia e a lentidão dos programas governamentais prolongam a vulnerabilidade de quem perdeu não apenas bens, mas o direito ao cotidiano. No município que teve centenas de desabrigados e desalojados, a reconstrução avança a passos curtos e, enquanto isso, moradores tentam reconstruir a dignidade com o que têm à mão.
Em Sinimbu, no ano passado, conforme dados do Município inseridos no sistema nacional da Defesa Civil, foram 800 desabrigados e 1,2 mil desalojados, além de mais de 6,5 mil afetados de outras maneiras. “Mas as informações foram colocadas no sistema de forma muito rápida. Para se ter uma ideia, os quatro óbitos não foram inseridos naquele momento”, explica o coordenador da Defesa Civil do município, Tiago Thomé.
Neusa Greiner, 28 anos, está ansiosa pelo momento de entrar no novo lar. E se vier antes do Natal, a dor sentida durante as festividades do ano passado dará lugar à alegria de viver em sua nova casa, com segurança.
Ela ainda lembra dos detalhes do dia em que a água, em minutos, levou a moradia onde vivia com o marido e o filho em Entrada Rio Pequeno. “Eu estava me arrumando para ir trabalhar, quando percebi que a água do rio estava chegando na casa. Nesse momento, deu tempo somente de pegar documentos e meu animal de estimação e sairmos às pressas.” Em segundos, a água tomou conta de tudo e com ela chegou a incerteza do amanhã. “Era uma tristeza imensa, pois acabei perdendo a casa e os bens materiais que ainda estava terminando de pagar.”
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A família de Neusa foi abraçada pela comunidade e pelo poder público. Durante uma semana, ela ficou abrigada na casa de amigos. Depois passaram mais duas semanas no abrigo montado na Escola Frederico Kopps. Com o aluguel social, conseguiu locar uma casa na área central, onde mora até hoje.
“Recebi aluguel social por um ano, mas agora estou pagando. Ganhei também doações de várias pessoas e agradeço muito pela ajuda, pois não tinha nada. Agora já consegui comprar mais uns bens materiais”, conta. Ela adianta que está na expectativa pela entrega da casa já escolhida na localidade de Linha São João, conquistada no programa Compra Assistida, que a beneficiou com um imóvel de até R$ 200 mil.
Agroindústria coletiva
A antiga Incubadora Municipal, no centro da cidade, teve sua estrutura danificada na enchente do ano passado. O local será remodelado e deverá abrigar uma agroindústria coletiva. Com o projeto de reforma e o objetivo de reunir empreendedores rurais, o espaço deverá funcionar como uma associação.
Equipamentos, suporte e orientação técnica, tanto da Secretaria de Agricultura quanto da Emater, estarão à disposição no local, onde poderão ser elaborados os produtos para venda já dentro das inspeções necessárias.
“É um modelo que acreditamos que vai servir para os produtores. Acredito que muitos comecem ali com o apoio e depois consigam montar seus próprios empreendimentos”, afirma o vice-prefeito e secretário de Agricultura, Indústria, Comércio e Meio Ambiente, Vanderlei Frederich. “Muitas pessoas têm um interesse, mas às vezes não se sentem seguras. Além disso, pode retirar da informalidade quem atua dessa forma.”
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Quem ainda segue no aguardo de uma nova residência é Paola Hernandez Farias Mueller, 43 anos, e a filha Taila, de 11. O drama vivido pela servidora pública não é somente a falta de um lar para chamar de seu, mas também a dívida contraída com a aquisição da casa, que nem chegou a ser habitada e foi interditada após sofrer danos com a enchente. “Tinha acabado de comprar um imóvel em Rio Pequeno, mas foi interditado pela Defesa Civil definitivamente.”
Moradora da área central da cidade, Paola também teve a casa que aluga alagada e perdeu todos os pertences. Com isso, passou a receber o aluguel social por uma ano.
Ao findar o programa, precisou voltar a arcar com o gasto mensal, enquanto espera a moradia assegurada pelo Compra Assistida. “O problema foi ter ficado com a dívida ao comprar a casa de Rio Pequeno que foi atingida e onde não posso morar mais.”
Ela acrescenta que a maior dificuldade é identificar uma moradia em área segura. Há poucos meses, encontrou uma casa a cerca de 2 quilômetros do Centro, mas ainda aguarda a avaliação da Caixa para saber se, de fato, este será seu novo lar, após a validação e trâmites burocráticos.
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Novas moradias
Para a próxima semana está programado o início da construção de cinco chalés pela campanha Fé no Rio Grande, uma iniciativa da Associação São Pio de Pietrelcina, com o apoio da Construtora Jobim Ltda. As moradias – chalés mistos de madeira e alvenaria com 30 metros quadrados – terão dois dormitórios, sala, cozinha e banheiro. O custo de cada uma fica em torno de R$ 22 mil.
Mais de 20 famílias já receberam uma residência por intermédio da Compra Assistida, que permite aquisição de um imóvel até o valor de R$ 200 mil. Outras 30 famílias estão com a documentação encaminhada para assegurar uma casa do programa. Quatro famílias também estão aptas a receber recursos pelo sistema FAR-Rural, programa em que a entidade (cooperativa habitacional) faz o cadastro e seleção dos beneficiados da zona rural para construção de uma moradia em alvenaria no padrão Caixa, até o valor de R$ 86 mil. O Município, por meio da Defesa Civil, diz que algumas famílias atingidas não aderiram a nenhum programa habitacional, pois não querem entregar seu terreno e residência. “Há os que simplesmente não desejaram aderir e outros que não aderiram, mas reformaram e retornaram ao imóvel”, explica Tiago Thomé, coordenador da Defesa Civil.
A Prefeitura explica que o número de pessoas na lista de espera por uma nova moradia ou algum tipo de auxílio oscila, já que a cada duas semanas, em média, um lote de contratos é assinado ou há desistências. “O que nós montamos e estamos trabalhando é para dar assistência ou buscar uma solução para 100% dos atingidos da lista de 2024. Algumas situações novas surgem e estamos colocando no planejamento.”
No começo de junho do ano passado, o Município implantou o Aluguel Social. Com seis parcelas de R$ 600,00, beneficiou 41 pessoas que perderam suas casas na enchente ou tiveram as residências reconhecidas como impróprias para habitação. Após, foi criada uma nova lei para renovação do beneficio, quando foram beneficiadas 28 famílias, até agosto.
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Comércio ainda se recupera
Mais de 120 estabelecimentos comerciais foram atingidos na catástrofe em Sinimbu. Dez não retornaram às atividades. O presidente da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Sinimbu (Cacis), Thomas Juliano Koch, afirma que a recuperação tem sido lenta e difícil. “Depois de um ano e meio da enchente, tivemos avanços e retomadas importantes. Muitos comerciantes conseguiram reabrir e vemos um movimento de reconstrução da economia”, avalia. “Mas os efeitos da destruição na infraestrutura, no acesso à cidade, na mobilidade e principalmente na confiança econômica ainda são sentidos.”
Thomas explica que a reconstrução e a retomada estão em andamento, pois dependem de obras, infraestrutura e restauração total da mobilidade e da logística na cidade e no interior. “Além de fazer falta para a locomoção das pessoas, prejudica as empresas, que demoram um pouco mais para se restabelecerem”, observa. “É uma recuperação lenta e gradual, que ainda vai demorar alguns anos. Mas a cidade e o comércio conseguiram reerguer boa parte das atividades.”
Nosso trabalho é baseado mais em quem está em alto e médio risco. Incentivamos e conversamos muito com essas pessoas para que façam a adesão a algum programa e saiam desses terrenos mais suscetíveis.
Tiago Thomé
Coordenador da Defesa Civil de Sinimbu
Prevenção
Sinimbu conta com o trabalho do Serviço Geológico do Brasil (SGB), que mapeou áreas de risco e a mancha de inundação do município com base no evento de abril e maio de 2024. O coordenador da Defesa Civil, Tiago Thomé, enfatiza que hoje o governo municipal usa como referência esse trabalho do SGB para áreas de risco.
“Eu diria que o estudo e o trabalho do Serviço Geológico nos tiram do escuro completo, nos indicam algumas direções e permitem traçar objetivos e metas para iniciar um planejamento. Além, claro, de contribuir com o plano de contingência”, observa.
Ele explica que é feito um acompanhamento de situações que apresentam risco. “Nosso trabalho é baseado mais em quem está em alto e médio risco. Incentivamos e conversamos muito com essas pessoas para que façam a adesão a algum programa e saiam desses terrenos mais suscetíveis.”
Segundo Thomé, está em fase de contratação com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) a execução de um estudo mais aprofundado sobre a bacia hidrográfica do município, áreas de risco, corpos hídricos, mancha inundável, sistema de alerta e obras. O trabalho também deve apontar um plano de ação e propostas de projetos para mitigação de problemas.
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