Durante anos, Sandra Iepsen esteve sentada em mesas de decisão sem ocupar, de fato, o centro delas. Ouvia, observava, formulava ideias, mas não falava. “Eu tinha as ideias, só não as colocava à mesa.” A trajetória profissional, iniciada na área técnica e consolidada em ambientes majoritariamente masculinos, parecia não avançar na mesma proporção do esforço. Foi somente quando passou a olhar para os próprios padrões de comportamento que compreendeu que o limite não estava fora, e sim no modo como ela mesma se colocava. “Descobri que não estava nada do lado de fora. Precisava me transformar.”
Formada em eletromecânica pela Escola Técnica Federal de Pelotas, Sandra trabalhou por 19 anos na indústria, atuando diretamente na manutenção e no planejamento de processos. Depois, buscou a graduação em Engenharia de Produção e mais tarde, em 2020, concluiu o mestrado em Sistemas e Processos Industriais, pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Hoje, cursa doutorado em Tecnologia Ambiental.
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A formação acadêmica, no entanto, caminhou lado a lado com um incômodo persistente: a sensação de não ser vista, apesar da competência técnica. “Queria o reconhecimento sem me mostrar.” Foi nesse contexto que, em 2010, conheceu o Eneagrama, ferramenta que passou a orientar não apenas sua atuação profissional, mas também sua forma de se perceber no mundo.
O contato inicial ocorreu por meio do marido e sócio, Luciano, que atuava com treinamentos corporativos. Sandra participou do processo para auxiliá-lo, contudo encontrou ali um caminho próprio.
O Eneagrama, diz, não oferece modelos prontos, mas permite identificar padrões de comportamento construídos desde a infância e reforçados ao longo da vida. A partir dessa compreensão, veio a decisão de deixar a indústria e se dedicar integralmente à formação de pessoas. “Quando entendemos isso, virou a chave.”
Hoje, Sandra é diretora da Profile Gestão de Pessoas, que administra em sociedade com o marido, além de vice-presidente da Associação de Prevenção ao Câncer de Colo de Útero (Apcolu) e presidente do BNI Oktober. Também atuou por quatro anos na coordenação do Núcleo de Mulheres Empreendedoras da Associação Comercial e Industrial (ACI) de Santa Cruz, o que marcou sua primeira posição formal de liderança. Ali, defendeu a alternância de coordenação como forma de oxigenar ideias e evitar que um único modo de conduzir se tornasse limitador.
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Feminino aprendido
Natural do interior de Arroio Grande, no Sul do Estado, Sandra chegou a Santa Cruz do Sul em 1995, após ser selecionada para estágio industrial. Cresceu em uma casa de chão batido e com telhado de palha, acompanhando a mãe, que aprendeu a costurar para sustentar a família, e a avó, referência de resistência em contexto de poucas escolhas para mulheres. “Sempre digo que minha mãe é o meu anjo da guarda. Graças a ela, pude estudar.”
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A convivência com ambientes técnicos e hierarquizados fez com que, por anos, Sandra operasse a partir de uma energia marcada pela rigidez. “A minha energia masculina subiu muito”, reconhece. Trabalhar o feminino tornou-se necessário não só para o equilíbrio profissional, mas também para a vida pessoal.
O percurso deu origem ao livro Projete-se, lançado recentemente, que reúne histórias que atravessam sua trajetória e a de outras mulheres. Mais do que um produto final, a obra sintetiza um caminho iniciado muito antes da empresa, dos cargos e das formações. Um percurso em que escutar a si mesma deixou de ser silêncio e passou a ser método.
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Do autoconhecimento ao Projete-se
Durante a pandemia, com a suspensão dos treinamentos presenciais, Sandra passou a atender pessoas em acompanhamento individual. A maioria eram mulheres. “As pessoas estavam em casa, surtando, e pediram acompanhamento”, conta. Desse movimento surgiu o Projete-se, inicialmente estruturado como mentoria e depois transformado em metodologia com encontros. O programa não foi criado exclusivamente para mulheres; entretanto, ao longo das sete turmas já realizadas, manteve participação totalmente feminina.
A proposta parte do desenvolvimento do ser para, então, avançar para o fazer e o ter. “Ser quem você precisa ser para fazer o que você precisa fazer e, em consequência disso, ter o que você quer”, resume.
Sandra também é consteladora familiar, formação que incorporou à sua atuação nos últimos anos. Para ela, muitos dos bloqueios enfrentados pelas mulheres estão relacionados a histórias familiares, a exigências acumuladas e à dificuldade de reconhecer limites. “É fácil olhar e fugir. Contudo, quando você encara, entende que pode dar passos em direção ao que quer.” O trabalho, afirma, não elimina dores, mas ajuda a nomeá-las e enfrentá-las. “Não é fazer mais, é fazer melhor.”
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