Habitualmente, meus artigos tratam de questões atuais e relevantes, regra geral relacionadas a política e economia. Infeliz e ultimamente, destacam-se muitas notícias desagradáveis e que fazem crescer a incerteza e o pessimismo.
Em razão dessas abordagens, já me prometi que alternaria artigos ditos rigorosos com outros de viés agradável e divertido, a exemplo de temas do cotidiano, de histórias de trabalho, família e folclore, entre outros.
Dito isso, vou recontar, em modo reduzido, uma experiência infantojuvenil vivenciada e relatada por meu pai Lorentz (1920–1977), lá no distrito de Rio Pequeno (minha terra natal), hoje parte do município de Sinimbu.
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À véspera dos eventos sociais, meu pai e seus amigos pensavam e articulavam uma arteirice. Como diziam em alemão, “ein lustiger streich”. Era mais um sábado com expectativa de diversão.
Bailes e quermesses eram os principais eventos sociais de então, sendo quase sempre realizados no salão da casa comercial, nos armazéns de fumo e até mesmo na casa paroquial.
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As famílias vinham das “picadas”, das “linhas”, das “entradas”, dos “travessões”, referências cartográficas que identificavam as pequenas localidades riscadas no mapa para receber os imigrantes europeus.
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Entrecortada pelas águas lentas do rio que batiza a vila, o “Kleinerio”, na expressão do seu povo, é uma localidade bonita. Seus morros parecem colchas de retalhos coloridos, reflexos do plantio de frutas, milho, feijão, batata e fumo. Tipicamente uma colônia alemã, seus moradores cultuam os nobres sentimentos da família, da fé, do trabalho e dos valores sociocomunitários.
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Muitos dos que vinham ao baile em carroças desatrelavam seus animais, proporcionando-lhes descanso enquanto transcorria a festança. Alinhadas, dividiam espaço com os ascendentes automóveis.
O baile iniciara fazia mais de hora. Sob o ritmo animado da orquestra, entre polcas e valsas, o salão lotado explicava o vazio da rua. Salvo a presença de meu pai e seus amigos, quase anônimos, abrigados pela noite.
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Jovens de corpos fortalecidos nas tarefas coloniais, tinham a força e a agilidade necessárias para a planejada molecagem. O alvo não era um automóvel, então o fascínio de todas as idades. Seus olhos estavam voltados para uma carroça, que estava estacionada ao lado de um armazém de fumo.
Discretos em seus movimentos, cercaram a carroça e, em ritmo febril, puseram-se a desmontá-la. Rodas, eixos, bretes, varais, uma a uma as peças da carroça eram desarticuladas.
Enquanto se dava o desmonte, metade do grupo escalava o armazém, posicionando-se sobre o telhado. Munidos de cordas, iniciaram a transferência das peças da carroça do chão para o telhado do armazém. Metódicos e rápidos, montaram a carroça sobre a cumeeira. Duas rodas de cada lado, equidistantes e em ponto de equilíbrio.
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Resultou uma imagem excêntrica e delirante. Com seus varais erguidos para o céu como em oração, agora a carroça sobre o telhado do armazém parecia uma torre de igreja. Um fruto da arteirice em involuntária homenagem à fé!
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