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PERDA DE DIREITOS

Afegãs temem volta de dias sombrios do período do Taleban

Imagem ilustrativa de 2010 | Foto: Institute for Money, Technology and Financial Inclusion (IMTFI)

Era início de noite e Zahra, sua mãe e três irmãs estavam a caminho da casa de outra irmã para jantar quando viram pessoas correndo e ouviram tiros na rua. “O Taleban está aqui!”, pessoas gritaram. Em apenas alguns minutos, tudo mudou para a jovem de 26 anos, moradora de Herat, terceira maior cidade do Afeganistão.

Zahra cresceu em um Afeganistão sem o Taleban, onde as mulheres ousavam sonhar com uma carreira e as meninas estudavam. Nos últimos cinco anos, ela trabalhou com organizações sem fins lucrativos locais para aumentar a conscientização de mulheres e pressionar pela igualdade de gênero. Seus sonhos e ambições, contudo, desabaram na noite de 12 de agosto 2021, quando os insurgentes invadiram sua cidade, hasteando suas bandeiras brancas com uma proclamação de fé islâmica em uma praça central, enquanto pessoas em motocicletas e carros corriam para suas casas.

A volta do Taleban ao poder no Afeganistão – com a tomada de Cabul, no domingo, 15, sendo o golpe final de uma campanha militar fulminante – já alterou o modo de vida do povo afegão, especialmente das mulheres, que sentem com mais intensidade a realidade sombria que muitas delas pouco se lembram ou nem chegaram a conhecer.

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Quando o grupo fundamentalista governou o país por cinco anos, entre 1996 e 2001, ficou proibida a educação de meninas e o trabalho feminino. Para sair de casa ou viajar, elas precisavam ser acompanhadas por um parente do sexo masculino, e aquelas que eram acusadas de adultério eram apedrejadas.

Como a maioria dos outros residentes de Herat, Zahra, seus pais e cinco irmãos se esconderam em casa, com muito medo de sair e preocupados com o futuro. “Estou em grande choque. Como é possível para mim, uma mulher que trabalhou tanto e tentou aprender e progredir, ter agora que me esconder e ficar em casa?”, disse.

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O temor do retorno ao regime Taleban pode ser notado desde antes da tomada do poder de fato pelo grupo. Quando ele ainda avançava sobre cidades em poder do governo, cerca de 250 mil afegãos fugiram em direção a Cabul, visto como último refúgio para muitos. De acordo com a agência da ONU para refugiados, 80% desse total eram mulheres ou crianças.

Relatos de pessoas que chegaram a Cabul antes do fim de semana confirmam que, mesmo antes de derrubar o governo, o Taleban começou a aterrorizar mulheres e meninas com ameaças de casamentos forçados, sequestro de mulheres e violência física em territórios já conquistados. Na semana passada, famílias da Província de Takhar, que se deslocaram para Cabul em razão do avanço dos rebeldes, relataram que meninas que voltavam para casa em um riquixá motorizado foram detidas e chicoteadas por usarem “sandálias reveladoras”.

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Em Cabul, as mulheres já se preparavam para o possível desfecho catastrófico antes da chegada do Taleban. As vendas de burcas – vestimenta que cobre todo o corpo, deixando espaço apenas para os olhos – dispararam na capital, segundo relataram vendedores ao jornal britânico The Guardian. Uma mulher ouvida pelo jornal reclamou da alta nos preços da vestimenta: “No ano passado, essas mesmas burcas custavam 200 afeganes (cerca de R$ 13,00). Agora eles tentam nos vender por 2 mil ou 3 mil afeganes (entre R$ 130,00 e R$ 195,00)“.

Por muitos anos, o uso obrigatório da burca foi o símbolo mais emblemático da opressão do Taleban sobre as mulheres afegãs. Zarmina Kakar, uma ativista pelo direitos das mulheres em Cabul, tinha apenas um ano quando o Taleban chegou ao governo pela primeira vez, em 1996, mas recorda bem como a mãe foi chicoteada em público ao revelar o rosto por alguns minutos, ao comprar um sorvete para a filha.

“Eu sinto que somos como um pássaro que faz um ninho para viver e passa o tempo construindo-o, mas de repente e impotente vê os outros destruí-lo”, disse Kakar, antes da tomada de Cabul pelos rebeldes. E completou: “Hoje, novamente, sinto que se o Taleban chegar ao poder, voltaremos aos mesmos dias sombrios”.

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Apesar dos sinais da opressão já se materializarem na sociedade afegã, há quem diga que pretende resistir. Uma estudante universitária chamada Habiba, ouvida pela iniciativa local de comunicação feminina Rukhshana Media, disse que a mãe pediu que ela e suas duas irmãs usassem burcas antes da chegada do Taleban, na tentativa de protegê-la.

“Nós não temos nenhuma burca em casa e eu não tenho a intenção de comprar uma. Eu não quero me esconder atrás de uma roupa que parece uma cortina. Se eu vestir uma burca, isso significa que eu aceitei o governo do Taleban. Eu terei dado a eles o direito de me controlar. Vestir um chador (outro tipo de roupa típica islâmica que cobre todo o corpo da mulher, revelando apenas o rosto) é o começo da minha sentença como prisioneira na minha própria casa. Eu estou com medo de perder tudo pelo que tanto lutei”, disse Habiba, na entrevista ao Guardian.

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Voltando a Herat, Zahra conta que parou de ir ao escritório há cerca de um mês, quando os rebeldes se aproximaram da cidade, e começou a trabalhar remotamente, de casa. Após os combatentes do Taleban romperem as linhas defensivas da cidade, ela não pôde mais trabalhar. Seus olhos se encheram de lágrimas ao considerar a possibilidade de não poder voltar ao trabalho; que a irmã de 12 anos não poderá continuar a frequentar a escola; ou que não será capaz de tocar guitarra livremente novamente.

Ela listou algumas das conquistas feitas por mulheres nos últimos 20 anos desde a queda do Taleban – poucos, mas significativos em uma sociedade profundamente conservadora. Meninas puderam ir a escola, mulheres chegaram ao Parlamento, ao governo e abriram seus próprios negócios. 

Talibãs mostram-se abertos à admissão de mulheres no governo

Os talibãs, que instauraram o Emirado Islâmico depois da reconquista de Cabul, declararam uma “anistia” em todo o Afeganistão e defenderam a participação das mulheres no governo. Apesar das promessas dos talibãs de maior moderação, o povo afegão permanece cético e teme um retrocesso na sociedade, principalmente as mulheres.

Enamullah Samangani, membro da Comissão Cultural do Emirado Islâmico, fez os primeiros comentários sobre o novo governo do Afeganistão após a reconquista do país por parte do grupo extremista islâmico. Em discurso transmitido pela televisão do antigo Estado afegão, Samangani afirmou que “o Emirado Islâmico não quer que as mulheres sejam vítimas”, defendendo que “elas devem estar na estrutura do governo de acordo com a lei sharia”.

O representante do Emirado Islâmico acrescentou que “a estrutura do governo não está totalmente definida”, mas afirmou que “com base na experiência, deve haver uma liderança totalmente islâmica e todas as partes devem juntar-se”.

De acordo com a Associated Press, que cita a declaração transmitida pela televisão, Samangani não avançou com mais detalhes, mas sugeriu que o povo afegão já conhece as regras da lei islâmica que os talibãs esperam que sigam. “O nosso povo é muçulmano e não estamos aqui para os forçar ao Islã”, disse. Por outro lado, os insurgentes declararam que “uma anistia geral foi declarada para todos e que, por isso, todos devem regressar à normalidade, em confiança”.

Com informações da Agência Brasil

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