Ninguém consegue imaginar uma sociedade desprovida de arte e cultura. É possível não se interessar de modo especial por exposições, espetáculos musicais, literatura, teatro, etc. Mais difícil, porém, é ignorar que há algo nisso digno de reconhecimento e incentivo, um patrimônio cuja valorização reflete a própria estatura, a riqueza espiritual de um país ou região.
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Labiche, protagonista do filme O Trem (1964), de John Frankenheimer, entendeu esse ponto. Em agosto de 1944, quando a França vive os últimos dias da ocupação alemã na Segunda Guerra, oficiais nazistas roubam uma coleção de pinturas raras de artistas como Monet, Picasso, Gauguin, Renoir, Cézanne e muitos outros. Diante da aproximação das tropas aliadas, centenas de obras são colocadas em um trem com destino a Berlim.
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Labiche (Burt Lancaster), chefe da estação ferroviária e membro da Resistência em Paris, decide impedir a viagem e recuperar o acervo roubado, arriscando a própria vida. Curioso personagem: totalmente desinteressado por arte, seria incapaz de reconhecer a tela mais popular de Van Gogh. O oposto do coronel Franz von Waldheim, nazista que se vangloria de seu apurado gosto artístico e não entende os esforços do agente ferroviário, um homem sem muita instrução, um inferior, para resgatar obras que nem sequer consegue apreciar.
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É verdade, mas Labiche também sabe que há algo importante a ser preservado, para o bem da França e dele mesmo. O desafio que enfrenta é um pouco como o de Guy Montag, o bombeiro da ficção distópica Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. Montag se revolta contra as ordens de incendiar bibliotecas e tenta descobrir o que existe dentro dos livros, objetos proibidos na sociedade totalitária onde vive.
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Jamais houve humanidade sem dimensão artística. A pintura já era praticada na Pré-História. Como observou a poeta portuguesa Sophia Breyner de Mello Andresen, o homem paleolítico pintou as paredes das cavernas antes mesmo de saber lavrar a terra. “Pintou para viver. Porque não somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência”, ressaltou em seu livro O nome das coisas. A arte não se trata, portanto, de mero luxo ou adorno.
Hoje, quando se inicia mais uma Feira do Livro em Santa Cruz do Sul, temos uma ocasião propícia para reforçar o caráter essencial das manifestações artísticas. Não só da literatura, mas de todas elas.
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