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LUÍS FERNANDO FERREIRA

Alguém vai sair do caminho

Um cineasta do Irã foi o grande vencedor no Festival de Cannes. No último sábado, 24, o longa-metragem It Was Just an Accident, de Jafar Panahi, ganhou um dos prêmios mais cobiçados do cinema: a Palma de Ouro. É o mesmo Panahi que, desde o início da carreira, tem enfrentado uma censura ferrenha no seu próprio país.

Ele já foi preso ao menos duas vezes (acusado de “propaganda contra o sistema”) e proibido de filmar por 25 anos (o que obviamente não serviu para nada). Foi condenado a prisão domiciliar e produziu um documentário clandestino dentro de casa (Isto não é um Filme, de 2011), fez greve de fome na cadeia, entre outras coisas. Quer dizer, é um especialista em incomodar.

Aos olhos do fundamentalismo religioso, os filmes de Panahi são incômodos porque expõem a cultura autoritária ainda vigente no Irã, especialmente em relação às mulheres. É o caso de 3 Faces, lançado em 2018. Em parte ficção, em outra registro documental, o filme se inicia com a investigação de um mistério. Seria verdadeiro ou falso o vídeo no qual uma jovem, aspirante a atriz, suicida-se após a família proibi-la de estudar na faculdade em Teerã?

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O vídeo chega ao celular de uma atriz já consagrada e também ao diretor Jafar Panahi (sim, ele interpreta a si mesmo no filme, ele adora isso). Preocupados, os dois decidem procurar os familiares da moça, habitantes de uma aldeia remota no interior do Irã. Um vilarejo onde tradições ancestrais parecem mais imutáveis ainda do que no restante do país, um lugar onde as mulheres sabem – ou deveriam saber – permanecer “no seu lugar”.

A partir de certo trecho do caminho, a estrada para a aldeia se afunila, estreita-se tanto que só é possível passar um carro por vez. Se outro surgir na direção contrária, alguém terá de sair da pista e esperar. Ou voltar.

Metáfora simples mas eficiente, que pode funcionar para diversas leituras. Talvez de uma sociedade sem espaço para que diferentes pensamentos e estilos de vida convivam lado a lado. Um deles irá, automaticamente, afastar o outro do caminho. Uma mulher atriz? Aqui?

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Corta.

O esforço de Panahi, e de outros artistas com sua têmpera, vai no sentido contrário: dilatar os caminhos para que todos avancem, abrir espaços. Não é uma tarefa que cabe só à arte, na verdade. Por exemplo, o que vem a ser jornalismo? É trazer diferentes lados de uma questão, versões e pensamentos na mesma edição, às vezes na mesma página. Todos têm espaço. É o ofício.

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