“Mas o que é isso?”. A pergunta, feita diante do anúncio de que aquilo que carregávamos era um presente para ele, revelava a inocência de quem teve, por 29 anos, seu universo limitado a uma vida de trabalho árduo e pouco, ou quase nenhum, reconhecimento por isso, em um local totalmente isolado. Aos 67 anos, depois de viver praticamente como escravo em uma fazenda no interior Rio Pardo, Pedro Haas Lacerda teve nesse fim de semana seu primeiro encontro com uma televisão. Ele até já tinha visto o aparelho, mas nunca soube o que era sentar-se em frente a um. Para o aposentando, que vive sozinho na moradia comprada com a indenização, o aparelho tem um significado ainda mais especial: é a descoberta de um mundo que ele nunca sonhou conhecer.
Sentado em frente à residência branca, junto com seus quatro cachorros, assim que o carro estacionou do outro lado da rua, seu Pedro percebeu que a visita era para ele. Caminhou ligeiro na direção do portão. “É a doutora que esteve aqui aquele outro dia?”. Seu Pedro acostumou-se a dar título de doutor a todos que julga ter mais conhecimento do que ele. Mesmo diante da insistência para que nos chame pelos nomes, ele não consegue deixar de usar as palavras que revelam o peso de uma submissão imposta por muito tempo. Animado, nos convida para entrar.
Em uma reportagem, publicada na semana passada, contamos o recomeço de vida do idoso, que agora tem residência própria e está se acostumando com uma nova rotina. Durante a entrevista, seu Pedro relatou que nunca havia assistido televisão. Ainda em dúvidas se iria gostar daquela tecnologia, estava curioso. “Vou ver muitos lugares que nunca vi.” Quando recebeu a primeira parcela de um seguro-desemprego especial, no final do ano passado, ainda vivendo em casebres na fazenda em João Rodrigues, comprou um radinho a pilhas. Totalmente desconectado por décadas, ansiava por outro mundo. Mesmo depois de se mudar ainda estava adiando o sonho da televisão. Não queria comprometer a aposentadoria com dívidas.
Publicidade

Publicidade