Uma vítima de violência leva para sempre a mágoa e as más lembranças de um acontecimento doloroso. Muitas vezes carrega também marcas físicas, cicatrizes causadas pelas agressões. As lesões são um lembrete diário do sofrimento vivido e também uma vergonha, que pode atingir a autoestima das mulheres. Com inspiração no A Pele da Flor, da curitibana Flavia Carvalho, o tatuador Leandro Frantz criou em Santa Cruz do Sul o Projeto Mais Amor.
Em um dia da semana, o Rosa Negra Tattoo Studio atenderá de graça qualquer pessoa que carregue cicatrizes ou marcas da violência doméstica e queira cobri-las com uma tatuagem. O tema é sério e atinge milhares de pessoas, em sua grande maioria mulheres atacadas por parceiros, ou filhos que foram agredidos pelos pais.
A iniciativa do santa-cruzense marca seu retorno ao município após anos vivendo em Salvador, Bahia. O tatuador de 20 anos já trabalha há três com a arte na pele. Conta que resolveu adotar o projeto em seu estúdio para ajudar as mulheres e oportunizar a mudança de algo triste e doloroso em algo bonito. “Eu tinha visto uma reportagem sobre o projeto da Flavia, e eu e a minha esposa já tínhamos a intenção de fazer o mesmo. Sabemos que a quantidade de pessoas atingidas e que têm vergonha de compartilhar é imensa.”
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A ideia é que o cliente procure o estúdio e escolha a ilustração para cobrir a área. Contar a história é opcional, mas pode ser uma boa maneira de dissipar a angústia, escondida para sempre sob um belo desenho. A divulgação, que começou na última semana através de uma rede social, já resultou no contato de interessadas. Uma delas é Sandra*, 31 anos. Ela, que carrega em seu pulso uma marca de queimadura causada pela violência, soube da ação em uma conversa com o próprio Leandro, na qual contou sua história e comentou sua vontade de tatuar a área. “Acho importante cobrir este local, porque uma cicatriz eu não tenho como tirar, mas posso fazer uma tatuagem que traz coisas boas no lugar.”
A marca da agressão sofrida aos 24 anos por Sandra finalmente terá um novo destino. O desenho escolhido é um beija-flor, delicado e colorido. “É um pássaro que eu admiro, acho bonito e que me faz bem. A tatuagem vai me fazer esquecer da cicatriz, a vida tem que seguir, e cada vez que ver este beija-flor vou ficar mais alegre”, desabafa.
Frantz espera que a iniciativa se espalhe e mais pessoas abracem a causa. “Toda vez que essas pessoas veem estas cicatrizes, elas só lembram do sofrimento. A mensagem que eu quero passar é que é possível se libertar dessa memória dolorosa” afirma. Comenta que a autoestima das vítimas é muito abalada pela violência e que, de acordo com sua pesquisa, o número de pessoas afetadas é muito maior do que se imagina. “A tatuagem mudou a minha vida, então quero fazer tudo que puder para que a arte mude também a vida de outras pessoas. Como aconteceu comigo, pode ocorrer com outros.”
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O estúdio, que fica no Bairro Arroio Grande, também deve receber no futuro um projeto cultural para crianças da região, um local para o aprendizado de arte e música. “Eu queria que a mesma oportunidade que eu tive pudesse ser passada a outros”, completa. Os interessados em participar do Mais Amor podem entrar em contato pela página do Rosa Negra Tattoo Studio na internet ou pelo telefone (51) 8526 3112.
*Nome alterado para proteger a identidade da entrevistada.
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A Pele da Flor
A tatuadora Flavia Carvalho ganhou notoriedade em todo o País com seu projeto. A artista já sofreu com a violência e relacionamentos abusivos. Após tatuar uma jovem que pretendia cobrir uma cicatriz, ela ficou tocada pela história e se inspirou para ajudar outras vítimas de graça. A ideia de recuperar a autoestima através da arte foi amplamente divulgada e já se espalha por várias cidades do país. O trabalho é divulgado em uma rede social, na página Flávia Carvalho – Daedra Art & Tattoo.
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