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PELO MUNDO

Cabo Verde: de entreposto comercial a tesouro de simpatia e tranquilidade

Muitas praias paradisíacas, como a da Ilha de Sal, atraem milhares de turistas

“A luta de libertação não é apenas um ato de cultura, mas também um fator de cultura.” (Amílcar Cabral, líder anticolonialista cabo-verdiano, assassinado em 1973)

Além dos lugares que escolhemos para visitar, seja por lazer ou a trabalho, alguns se tornam o que chamo de destinos acidentais, pelos quais passamos por acaso ou simplesmente por fazerem parte da trajetória até o objetivo original. Viagens aéreas, diretas e confinadas a um tubo metálico a dez mil metros de altitude, raramente proporcionam tais prazeres.

Há, contudo, exceções, e Cabo Verde foi um desses destinos acidentais. Em 1993, em Buenos Aires, embarquei em um avião quadrimotor de fabricação russa, o Ilyushin 86. O destino era Moscou, mas, devido à autonomia limitada da aeronave, eram necessárias diversas paradas para reabastecimento. Em cada uma delas, os mais de 300 passageiros desembarcavam e aguardavam algumas horas.

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Além da oportunidade de esticar as pernas em um voo que duraria mais de 24 horas, as paradas eram também um alívio para os pulmões, em uma época – hoje inconcebível – em que era permitido fumar nos aviões. Embora eu estivesse na seção de não fumantes, os russos ao meu redor não hesitavam em acender seus cigarros.

A capital cabo-verdense, Praia, foi a escala mais longa, estendida por um problema técnico que eu preferi desconhecer. Eu pouco sabia sobre o país, mas aproveitei o tempo para interagir com os nativos e aprender detalhes que jamais esqueci, até porque ficaram anotados em meu diário.

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Antes do século 15, o arquipélago, que fica a 600 km da costa do Senegal, ao sul do temido Cabo Bojador, era desabitado. Os portugueses ocuparam Cabo Verde em 1460, pela localização estratégica como entreposto no caminho do Novo Mundo e das Índias. Devido aos ventos do deserto do Saara, o clima seco das ilhas e a ausência de rios permanentes, a produção da principal especiaria da época, o açúcar, não era viável. Sem o doce da cana, o país acabou se desenvolvendo em torno de uma amarga atividade econômica: a escravidão.

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O arquipélago é composto por dez ilhas, que ao longo do tempo desenvolveram língua, culinária, identidade e costumes próprios, em uma fusão criativa entre as culturas portuguesa e africana. Os crioulos formam cerca de 80% da população, cujas feições revelam a miscigenação da ilha, que hoje não é nem africana, nem portuguesa.

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A morna é a música nacional, com ritmo lento e melódico que transita entre o fado português e os ritmos da África negra. A cantora Cesária Évora (1941-2011) foi a maior embaixadora da música cabo-verdiana no mundo. O português é a língua oficial, mas a língua corrente é o crioulo cabo-verdiano, que se desenvolveu de forma espontânea.

Os movimentos de independência iniciaram com o declínio do império português. A emancipação veio em 1976, após a Revolução dos Cravos. Inicialmente, as ilhas formavam uma nação comum com Guiné-Bissau, mas um golpe de estado no território continental provocou a separação dos dois países. Os primeiros anos foram de extrema dificuldade econômica, consequência de séculos de exploração lusitana. A busca por melhores condições levou a uma importante diáspora. Hoje, há mais cabo-verdianos vivendo em outros países do que na própria nação, com cerca de 500 mil habitantes.

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Apesar de não contar com recursos naturais abundantes e enfrentar a escassez de água doce, Cabo Verde se tornou uma república democrática e estável, sem jamais ter sofrido um golpe de estado. O investimento em educação, saúde e nas instituições governamentais, tornou-se um exemplo para as demais nações africanas. Mais de meio milhão de turistas visitam Cabo Verde todos os anos, atraídos pelas belas praias, pelo clima ameno e a segurança que o país oferece.

Assim como em destinos acidentais, também encontramos ao longo do caminho pessoas que conhecemos por acaso e que muitas vezes se tornam fundamentais para nossa experiência de vida. Em Cabo Verde, conheci o que os locais chamam de morabeza, uma palavra crioula que representa hospitalidade, simpatia e calor humano. As pessoas que encontramos, especialmente quando menos esperamos, têm histórias pessoais, cultura e sabedoria que jamais poderíamos encontrar imersos em nossos celulares ou na inteligência artificial. Destinos e encontros acidentais: um rico tesouro para quem souber explorá-los.

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