“Isso só pode ser fake. Não é possível que alguém possa se expor tanto ao ridículo.”
“Mano to falando sério, to todo arrepiado nao sei se é de nojo ou desconforto.”
“Quem é essa pessoa?”
“Desculpa aos amigos, mas que p* é essa?”
De forma isolada, as frases acima podem não dar a real dimensão da gravidade que possuem. No entanto, quando são replicadas em grupos de troca de mensagens por estudantes para se referir a determinado colega, as mensagens adquirem uma conotação criminosa e podem ter consequências imprevisíveis. Relatos de situações assim têm se multiplicado entre adolescentes colegas de aula e deixado pais, mães, educadores e autoridades santa-cruzenses em alerta.
O aumento e a gravidade das ocorrências revela um drama assustador para as famílias diante de práticas que se enquadram como bullying ou cyberbullying. Para se ter ideia da dimensão do problema, um levantamento feito em 28 países pelo Instituto Ipsos revelou que o Brasil aparece em segundo lugar no ranking de casos.
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Comentários e manifestações como as que a reportagem da Gazeta do Sul teve acesso são capazes de causar danos graves à saúde de crianças e adolescentes. Desde 2016, o Brasil conta com uma lei sobre o assunto. Por meio do chamado Programa de Combate à Intimidação Sistemática, o objetivo é combater, prevenir e conscientizar sobre o bullying. O termo define todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitiva que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas.
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A legislação destaca que as condutas enquadradas como bullying têm como objetivo intimidar ou agredir alguém, causando dor e angústia. Quando as práticas ocorrem por meio da internet com o objetivo de depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais a fim de criar meios de constrangimento psicossocial, tem-se o cyberbullying. Isso tem ocorrido com cada vez mais frequência, especialmente diante do uso de celulares ou outros dispositivos entre os jovens.
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Um pai relatou à Gazeta, sob a condição de anonimato, a angústia diante do que tem enfrentado. Colegas criaram um grupo de WhatsApp no qual passaram a compartilhar fotos captadas da rede social de sua filha com as ofensas. Ao ficar sabendo da situação, a família alertou a escola e procurou as autoridades policias para tomar providências. Ainda que estas sejam as recomendações mais difundidas frente a esse tipo de caso, o fato é que as feridas emocionais ficam e são capazes de acompanhar os jovens ao longo da vida.
Grupo se mobiliza para ajudar
As situações envolvendo jovens santa-cruzenses vítimas de violência praticada por meio da internet ou não mobilizaram um grupo formado por representantes de diferentes órgãos com um objetivo em comum: oferecer suporte e dar o encaminhamento mais adequado para cada caso.
Criado há quatro meses, embora as primeiras movimentações nesse sentido tenham ocorrido ainda em 2019, o esforço coletivo tem obtido avanços, mas também encontrado desafios diante da complexidade do que vem acontecendo. São 26 representantes de órgãos ligados à educação, segurança pública, secretarias e conselhos municipais que fazem parte do chamado Grupo de Combate à Violência Escolar e Familiar.
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Além de acompanhar o que acontece nas instituições de ensino, os participantes levam em consideração o fato de que a origem dos problemas pode estar dentro de casa. Conforme um dos integrantes do grupo, Jeferson Peres da Silva, esse olhar ampliado é importante para dar o melhor direcionamento às ocorrências. “Entendemos que muitas vezes o que acontece na escola é reflexo da família. Por isso é importante identificar onde está a origem dos problemas”, reforça.
O grupo se mantém em constante contato. Os relatos de casos envolvendo crianças e adolescentes chegam por meio de equipes da Coordenadoria de Educação, segundo Jeferson. Ao receber a informação de que algo está acontecendo, o primeiro passo é identificar qual integrante do grupo pode entrar em ação para dar o encaminhamento mais adequado.
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“Sabemos que todo fato tem dois lados e que é preciso analisar o que está acontecendo para buscar uma solução”, acrescenta. Desde o início da atividade, Jeferson aponta que houve avanços e foram obtidas soluções rápidas e capazes de evitar consequências, muitas vezes, graves.
Drogas
O que pode parecer uma realidade distante está cada vez mais presente no cotidiano de muitos pais santa-cruzenses. O alerta de Jeferson Peres da Silva tem sido replicado em reuniões em escolas, conversas com a comunidade e entre os integrantes do grupo.
Além das já conhecidas práticas de ataques e ameaças virtuais, segundo ele, houve casos em que traficantes tiveram acesso a grupos formados por jovens estudantes e passaram a oferecer drogas como maconha e cocaína.
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“Por isso a importância de os pais acompanharem de perto o que está acontecendo com os filhos. A família tem uma grande importância nessa luta”, enfatiza. Outro problema que tem sido frequente se refere à automutilação.
Câmara e MP elaboram estratégias
Na última segunda-feira, 10, na sessão da Câmara de Santa Cruz, o vereador Raul Fritsch (Republicanos) apresentou três casos de bulllying e o alerta para que se dê atenção do poder público a essas situações. O assunto também voltou à pauta com o relato da presidente do Legislativo, Nicole Weber Covatti (PP), que contou ter sido vítima de agressão quando estudante. Definiu-se o estabelecimento da Frente Parlamentar para Tratar Sobre Bullying, como forma de fiscalizar as atuações preventivas e de reparo de danos.

Na quinta-feira, 13, a vereadora reuniu-se com representantes da 6ª CRE, os quais apresentaram o Núcleo de Cuidado e Bem-Estar. Trata-se de um lugar para a escuta e o encaminhamento aos serviços de rede.
“É um espaço para debater com as escolas e ter a presença das famílias”, reforçou o coordenador Luiz Ricardo Pinho de Moura. Por meio dessa estrutura, explicou, os casos são resolvidos de forma mais rápida.
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No Ministério Público, a referência é a Promotoria de Educação. Neste ano, foram poucas as situações individuais registradas e o assunto tem sido tratado no âmbito coletivo. Foi encaminhado o formulário Prevenção e Enfrentamento ao Bullying – Sondagem junto às Escolas, com o objetivo de mapear ações de prevenção nas instituições de ensino das redes municipais, estadual e particular.
Além disso, há palestras em eventos de capacitação das escolas, a exemplo do ocorrido no dia 16 de outubro. A promotora Vanessa Saldanha de Vargas falou em um encontro promovido pela Secretaria Municipal de Educação. Voltado aos diretores e orientadores educacionais das escolas municipais, foi realizado na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), com a abordagem de temas como aspectos emocionais relacionados ao enfrentamento do bullying; proposição de atividades práticas para as escolas; e legislação aplicada e diretrizes normativas.
O encontro fez parte da construção do Protocolo para Enfrentamento ao Bullying e ao Cyberbullying, que está sendo elaborado pela Secretaria de Educação de Santa Cruz do Sul.
Rede estadual já tem 143 registros
A 6ª Coordenadoria Regional de Educação (6ª CRE) tem atuação sobre 85 instituições de ensino em 18 municípios (Boqueirão do Leão, Candelária, Encruzilhada do Sul, Gramado Xavier, Herveiras, Lagoa Bonita do Sul, Mato Leitão, Pantano Grande, Passa Sete, Passo do Sobrado, Rio Pardo, Santa Cruz do Sul, Sinimbu, Sobradinho, Vale do Sol, Vale Verde, Venâncio Aires e Vera Cruz). Nessa região, no segundo semestre deste ano, contabilizou 143 casos de violência, entre ataques verbais, físicos e bullying ou cyberbullying.
Em 2012, o governo do Estado criou, por meio de lei, um mecanismo para combater esse tipo de ocorrências: as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (Cipaves). Na prática, a Secretaria Estadual de Educação colocou como prioritária a atuação, formação e implantação desses grupos em 2015.
O Programa Cipave+, como ficou conhecido, passou a identificar situações de violência, definir a frequência e a gravidade, averiguar suas circunstâncias, planejar e recomendar formas de prevenção, entre outras medidas. Na lista de atividades propostas às Cipaves está a formação das redes de apoio às escolas, que são parcerias para a resolução de problemas como uso de drogas. Segundo a 6ª CRE, 100% das comissões estão formadas nas escolas.
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Desde 2023, ocorrem encontros mensais com orientadores educacionais que abordam a prevenção de diferentes formas de violência, como o bullying. Ainda está em fase de conclusão a formação de 50 facilitadores de círculos de paz, que são profissionais e líderes capacitados para guiar grupos em diálogos seguros. O objetivo é o de prevenir e resolver conflitos através da escuta ativa e da reflexão conjunta.
A CRE ainda possui o Núcleo de Cuidado e Bem-Estar Escolar, que passou a contar, em agosto, com psicóloga e assistente social, além de 45 estagiários de Psicologia – resultando de uma parceria com a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
Educação define ações de suporte
A Secretaria de Educação de Santa Cruz está em fase final da elaboração do Protocolo Municipal de Prevenção e Enfrentamento ao Bullying. A ideia é implantá-lo em todas as escolas, com acompanhamento técnico e jurídico da promotora da Educação, Vanessa Saldanha. Em paralelo, promove formações com diretores, orientadores e professores, para fortalecer as práticas pedagógicas preventivas e garantir que o tema seja trabalhado no dia a dia.
Em ocorrências, orienta-se a adoção de procedimentos imediatos, como atendimento individual e coletivo aos estudantes, acolhimento e orientação às famílias, registro formal em ata, encaminhamento dos casos à equipe multidisciplinar da Secretaria Municipal de Educação. Em situações mais graves, aciona-se a rede de proteção para acompanhamento intersetorial.
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Para evitar que aconteçam, todas as instituições trabalham de forma contínua temas como respeito, empatia, limites, convivência social e prevenção à violência e ao preconceito. “As ações incluem debates sobre capacitismo, diversidade e saúde emocional, reforçando o compromisso da educação com a formação humana e cidadã”, acrescenta a orientadora educacional Évelin Schneider.
Neste ano, o Município participou, em parceria com o governo do Estado, da formação dos Círculos da Paz, metodologia que promove o diálogo, empatia e resolução pacífica de conflitos nas escolas. “A proposta será ampliada em 2026, integrando-se às ações do Protocolo Anti-Bullying e fortalecendo a cultura da paz”, antecipa o diretor de educação Fernando Wegner.
A atuação preventiva tem sido feita conforme a faixa etária, trabalhando o tema desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental. “O foco é desenvolver valores de respeito, empatia e responsabilidade social desde a primeira infância”, explica Évelin. Além das ações cotidianas, há campanhas para marcar o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola (7 de abril).
DPCA apura oito casos neste ano
A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) está de olho nos casos ocorridos em Santa Cruz. A delegada Ana Luísa Aita Pippi confirma que até o dia 13 de novembro haviam sido registrados oito ocorrências, uma a mais que em 2024.

Todos os casos envolvem adolescentes a partir de 12 anos, idade em que menores já respondem a procedimentos na condição de infratores. Um dos problemas, segundo ela, tem sido a criação de grupos em aplicativo de mensagens nos quais várias pessoas passam a proferir ofensas contra determinada vítima. “Para o psicológico de uma criança ou adolescente, isso é gravíssimo e pode causar sequelas irreversíveis para vítimas e seus familiares”, frisa.
Para quem comete os crimes que resultam em lesão corporal ou vias de fato, as penas variam de multa até reclusão de dois a quatro anos. “O adolescente responderá pelo crime mais grave que praticou”, salienta a delegada. Também existem casos que envolvem crianças menores de 12 anos nos quais a polícia não pode instaurar procedimentos. Nesses contextos, a delegada tem chamado os pais ou responsáveis para conversar sobre o problema.
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A Polícia Civil participa de uma rede de apoio formada neste ano e que tem trabalhado com casos de violência escolar e familiar. “O grupo é acionado e trabalha em conjunto em busca de soluções. Em alguns casos, conseguimos realizar transferências escolares de vítimas pelo fato de não haver mais ambiente para continuar em determinada escola em razão do problema.”
Saiba mais
Os crimes de bullying e cyberbullying estão previstos no artigo 146-A do Código Penal e incluídos pela lei 14.811/2024. A lei define como crime a “intimidação sistemática”, que ocorre quando alguém, de forma intencional e repetitiva, ameaça ou humilha uma ou mais pessoas através de violência física ou psicológica em qualquer ambiente, inclusive em ambiente virtual.
Esta intimidação pode ser praticada de forma direta, por meio de atos físicos, por meio psicológico, moral, sexuais, sociais, materiais, virtuais. A pena é de multa se não forem considerados crimes mais grave, como lesão corporal grave e homicídio. Cyberbullying: a pena é de reclusão de dois a quatro anos e multa se a intimidação ocorrer por meio de redes sociais, internet, aplicativos ou outros meios digitais, sempre que a conduta não constituir crime mais grave.
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