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Literatura

Agora só resta ler para entender os campos de concentração da 2ª Guerra

Com muito menos repercussão pública do que o fato sem dúvida mereceria, faleceu na manhã de quinta-feira, 31, talvez o último dos grandes escritores e intelectuais sobreviventes dos campos de concentração nazistas da Segunda Guerra Mundial. E o húngaro Imre Kertész, que morreu em sua cidade natal, Budapeste, aos 86 anos, não foi apenas mais uma voz no conjunto dos deportados que, mais tarde, se dedicaram à literatura. Não se ganha por acaso um Prêmio Nobel de Literatura, que ele obteve em 2002. 

De certo modo, Imre conseguiu deixar um depoimento raro e único, que contempla três ângulos distintos, os ângulos humanos por excelência (infância, idade adulta e olhar de idoso), dessa que é a maior tragédia na história da civilização. Seu nome estará para sempre num seleto grupo ao qual, com respeito e comoção, devemos acrescentar Elie Wiesel, Robert Antelme, Jorge Semprun, Primo Levi, Helga Weiss, Janina Bauman, Ida Fink, Anne Frank, Hans Mayer (ou Jean Amery), Aharon Appelfeld, Simon Wiesenthal e tantos outros. A leitura de suas obras (com as decorrentes reflexões delas advindas), mais do que possibilidade, deveria ser obrigação ética e moral para cada um de nós.

Nascido em 9 de novembro, em família judia, Imre vivenciou a deportação para Auschwitz quando era adolescente. Do amplo e variado grupo de autores que, tendo sido presos como judeus, oponentes políticos e de campo de batalha ou outros alvos dos nazistas, posteriormente descreveram o inferno e as agruras dos campos, Imre foi um dos que tiveram essa experiência mais jovem. Por isso, ainda que não fosse o mais longevo, permanecia vivo quando a maioria dos deportados com mais de 20 anos, ou mesmo na meia-idade, já era falecida.

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Em seu primeiro romance, Sem destino, de 1975, narra justamente as circunstâncias da deportação e a vida no campo de Auschwitz, com a posterior transferência para Buchenwald (onde também estiveram Semprun, Wiesel e Antelme). É leitura indispensável para entender aqueles tempos. 

Já em 1988 lançou O fiasco, verdadeiro murro no estômago. Nesse romance, um escritor se mostra constrangido porque a sociedade não só não compreendeu como não quis saber de um livro que havia publicado, sobre o Holocausto. Por fim, com o lançamento de Kaddish para uma criança não nascida, em 1990, conformou trilogia sobre o tema.

A memória em total liquidação

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A obra de Imre Kertész, em sua imensa maioria disponível no Brasil (ainda mais depois do Nobel de Literatura obtido em 2002), é eclética e variada. Embora tenha adotado o romance como principal via de expressão, também expõe reflexões sobre suas vivências e sobre a conturbada política ocidental na segunda metade do século XX em novelas, contos e ensaios. Aponta, com todas as letras, o cinismo com que o mundo, poucas décadas depois, tratava um dos temas mais traumáticos da história.

Em um de seus romances, Liquidação, usa a nada sutil ambiguidade dessa palavra como ferramenta para escancarar as mazelas da sociedade contemporânea. Nela, está tudo em liquidação (sendo liquidado): a memória, a história, o respeito, a paz e talvez até o futuro. Agora Imre também se foi. Mas ao menos seus livros estão (e prometem estar) sempre aí. Só falta lê-los. Ou é isso o que resta.

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