A Alemanha acolheu mais de um milhão de refugiados em 2015. Não foi apenas um gesto político, mas um ato que a obrigou a se olhar no espelho. O país que buscava reparar suas culpas históricas abriu as portas a um novo desafio: transformar o ideal humanitário em prática cotidiana.
A promessa de integração se revelou lenta. Trabalhos vieram, mas nem sempre dignos; escolas abriram espaço, mas não puderam prometer compreensão e acolhimento para os novos alunos.
O discurso do “nós vamos conseguir” – frase que marcou a então chanceler Angela Merkel – perdeu fôlego diante do peso da realidade. A solidariedade, quando institucionalizada, corre o risco de se tornar apenas burocracia.
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Mas algo mais profundo se movia. O encontro entre alemães e recém-chegados expôs um jogo de identidades. Quem chega procura um lugar no mapa; quem já está precisa redesenhar suas fronteiras internas. A convivência força o país a redefinir o que entende por pertencimento, bem como força o povo a descobrir que a palavra “integração” diz tanto sobre quem acolhe quanto sobre quem é acolhido.
Nas cidades, os rostos se misturam entre o metrô e o mercado. Alguns enxergam nisso a vitalidade de uma nova Alemanha; outros, o prenúncio da perda. O medo, travestido de opinião, corre rápido nas redes e nas mesas de bar. A política, atenta, transforma-o em programa eleitoral.
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O Chega, partido político em franca ascensão em Portugal, é um claro (e lamentável) exemplo de que existe uma forte tendência em responsabilizar pessoas de outras origens por problemas institucionalizados. É sempre mais fácil culpar o outro do que repensar a si mesmo.
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A migração, contudo, é mais antiga que quaisquer muros. Povos sempre se moveram, fugindo de guerras, da fome ou jogando a sorte em outro lugar com perspectivas melhores. O que muda é o modo como os que ficam lidam com os que chegam.
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A Alemanha tenta, a seu modo, equilibrar compaixão e controle. Mas nenhuma fronteira segura é capaz de deter a urgência humana de sobreviver.
Dez anos depois, o país é outro – mais diverso, mais tenso, mais consciente. O projeto de acolhida deixou cicatrizes e conquistas. Os que chegaram construíram rotinas, aprenderam a língua, casaram-se, criaram filhos que já falam sem sotaque. A integração não é uma meta, é um processo, e todo processo é conflito.
A crise de 2015 foi, talvez, o início de uma aprendizagem: a de que não há sociedade imune ao movimento do mundo. Cada refugiado é também um espelho. Reflete o medo, a esperança e a capacidade – ou incapacidade – de uma nação de ser humana sem precisar anunciar que o é.
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*Escrita por Rudolf Genro Gessinger
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