Os alertas climáticos sobre riscos de alagamentos e chuvas intensas ganharam nova proporção desde a catástrofe que assolou o Rio Grande do Sul no ano passado. Além de reacender a preocupação com possíveis estragos ou perdas materiais e humanas, como percebido no último fim de semana, quando meteorologistas informaram que o Vale do Rio Pardo registraria precipitações volumosas num curto espaço de tempo, reacende-se também a admiração por quem atua nas forças de segurança, como os bombeiros militares.
São eles que integram a linha de frente, em situações como essa e em tantas outras, e dedicam sua própria vida para salvar e proteger as demais. E fazem isso diariamente, dia e noite, em seus quartéis, com presteza e abnegação. A fim de enaltecer esse trabalho, igualmente marcado pela resiliência, a Gazeta do Sul conversou com o comandante das Companhias de Bombeiro Militar do 6º Batalhão de Bombeiro Militar (BBM), capitão Juvenal Schneider, responsável por 77 municípios.
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Ao todo, o Rio Grande do Sul tem 13 Batalhões de Bombeiro Militar (BBMs), um Batalhão de Busca e Salvamento e um Batalhão Especial de Segurança Contra Incêndio. O instalado em Santa Cruz do Sul é o 6º BBM, que conta com 13 unidades operacionais – Santa Cruz, Camaquã, Encantado, Guaíba, Encruzilhada, Estrela, Lajeado, Taquari, Venâncio Aires, Vera Cruz, Rio Pardo, São Jerônimo e São Lourenço do Sul. Com atuação nos Vales do Rio Pardo, do Taquari, Região Carbonífera e parte da Costa Doce, abrange um contingente de cerca de 1,3 milhão de pessoas.
Nessa área, o trabalho é feito por 295 militares. De modo geral, o Corpo de Bombeiros usa todo o efetivo e o material disponível para salvamento em catástrofes como a da magnitude das enchentes de 2024. Para o atendimento de ocorrências ordinárias, o pelotão local dispõe de um caminhão (atendimento de sinistros), de uma ambulância (resgate em acidentes de trânsito) e dois barcos para salvamento.
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Atuação em áreas diversas
O “carro-chefe” dos atendimentos é o resgate e o combate a incêndio. Embora possa atuar em todas as frentes, cada militar, no entanto, pode optar por um treinamento específico. E isso depende da especialização que escolhe cursar, ou seja, da área na qual pretende se aprimorar. Entre as diversas possibilidades estão especialização de guarda-vidas, de salvamento em altura, salvamento em estruturas colapsadas, atendimento pré-hospitalar, mergulhador autônomo de busca e resgate, salvamento veicular, perícia em incêndios e explosões, atendimento a ocorrências com produtos perigosos, salvamento terrestre, etc. Uma das formações consideradas mais técnicas é a de binômios (a dupla formada por bombeiro militar e cão de busca).
Na avaliação do comandante das Companhias de Bombeiro Militar do 6º Batalhão de Bombeiro Militar (BBM), capitão Juvenal Schneider, que possui especialização de salvamento em altura, é importante que o bombeiro militar saiba atuar em todas as áreas. No entanto, conforme observa, é a partir do momento em que se especializa e passa a ser visto como referência em determinado assunto que ele começa a replicar o conhecimento.
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O capitão ressalta que conhecer bem uma área facilita, de modo geral, o atendimento de ocorrências, seja na aplicação de técnicas ou no uso de materiais específicos. Como exemplo destaca um salvamento do qual participou recentemente em Candelária, durante as enchentes de junho, em que um carro ficou submerso em forte correnteza de um arroio.
Graças aos conhecimentos obtidos na sua especialização de salvamento em altura, recorda Schneider, ele conseguiu otimizar o resgate com os demais colegas, utilizando a técnica de polias. Esse procedimento foi fundamental para a remoção do veículo da correnteza.

Como se tornar bombeiro militar?
Para entrar na corporação, há duas possibilidades. Quem tiver o Ensino Médio completo pode ingressar como soldado (quadro de praça bombeiro militar) e alcançar o posto, mais para o final de carreira, de tenente. Para tanto, é preciso ter no máximo 25 anos na data da inscrição. O salário-base (bruto) é de R$ 6 mil. Quem tiver o Ensino Superior completo (bacharel em Direito) pode ingressar como capitão (quadro de oficiais do Estado-Maior) e alcançar o posto de coronel, o cargo máximo da corporação. Nesse caso, é preciso ter no máximo 29 anos na data de inscrição para o concurso. O salário-base (bruto) é de R$ 22 mil.
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A partir de 1º de julho de 2027, no entanto, o concurso para ingresso no Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (CBMRS), para soldado, exigirá nível superior completo, em qualquer área de formação, de acordo com a Lei Complementar Estadual no 15.882/2022. Tal mudança, conforme o projeto, visa equiparar o nível de exigência com outras forças de segurança, como a Polícia Civil e a Susepe.
Mulheres representam cerca de 12% do efetivo
No âmbito do 6º BBM, dos 295 militares, 35 são mulheres – ou seja, 11,9% do efetivo é feminino. Já em nível de Estado, reunindo todo o Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (CBMRS), do efetivo formado por 2.880 militares, 384 são mulheres, ou seja, 11,6% . Os percentuais se assemelham e evidenciam que, pouco a pouco, a representatividade feminina amplia espaços também na área da segurança pública.
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Abaixo, a Gazeta do Sul traz um breve resumo sobre a trajetória de duas bombeiras militares, com sólida e reconhecida atuação na corporação. As duas integram hoje o 6º BBM, em Santa Cruz.
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Solange Jacobsen, 2º sargento
Ainda criança, a hoje 2º sargento e bombeira militar Solange Jacobsen, 44 anos, natural de Nova Petrópolis, sonhava em atuar na segurança pública. As brincadeiras em casa sempre tinham alguma relação com salvamento ou atendimento de pessoas. Em 2003, com a aprovação no concurso da Brigada Militar, colocou em prática o que antes marcara sua infância. Por 15 anos e meio, Solange atuou no policiamento, mas decidiu mudar.
Isso ocorreu quando a Brigada Militar e os Bombeiros Militares se desvincularam. Inspirada no seu irmão mais novo, que já atuava como bombeiro militar há dois anos, desde 2016, ela ignorou todos os comentários contrários.
“Alguns me chamaram de louca porque eu já tinha vários anos de policiamento. Sou apaixonada até hoje pela Brigada, gosto muito e as lembranças que tenho são boas, mas mesmo assim optei em mudar porque sou uma pessoa dinâmica, eu gosto de aprender”, disse, observando que o trabalho feito por seu irmão servia de motivação.
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Após cursos específicos, complementares ao de formação institucional, Solange ingressou nos Bombeiros. Atuou por alguns meses no atendimento de ocorrências e cerimoniais do Batalhão até migrar para a parte administrativa. Passou por algumas áreas até ser convidada para integrar a Corregedoria do 6º BBM, em 2021. Nesse setor, trabalha com processos e com apuração e investigação de denúncias, atuando de forma correcional com o efetivo do Batalhão.
Dentre as ocorrências atendidas, uma das primeiras, envolvendo o resgate do corpo de uma menina que estava desaparecida, marcou-a até hoje. “A gente saiu sem noção de onde ela estava e foi um encontro muito rápido, porque foi com auxílio do cão, apesar de ele não estar preparado para encontrar cadáver. A menina já estava em óbito, mas foi surpreendente ver a reação do animal, além de toda a comoção que gerou e do acolhimento da família, na hora de dar notícia”, conta.
Acerca da representatividade feminina, a 2º sargento é categórica ao afirmar que “as bombeiras são preparadas e capacitadas para atuar como o efetivo masculino, porém com suas particularidades. “Temos uma visão diferente, geralmente somos mais detalhistas, e eles [os colegas homens] percebem isso e muitas vezes nos falam e elogiam”.

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Fernanda Jung, 2º sargento
Natural de Rio Grande, a hoje 2º sargento e bombeira militar Fernanda Jung, 34 anos, ingressou na corporação em 2012, através de concurso público. Filha de agente penitenciário aposentado, cresceu acompanhando seu pai no trabalho em presídios. Vivenciando de perto a rotina, alimentou o sonho de trabalhar na área.
“Meus dois tios, irmãos do meu pai, eram da Susepe e da reserva da Brigada. Então, a segurança pública sempre foi muito viva dentro da minha casa. Desde os meus 18 anos, já sabia que queria prestar concurso e me via como bombeira”, lembra.
Entre 2013 e 2017, atuou pelos Bombeiros de Porto Alegre, no setor operacional dos quartéis dos bairros Teresópolis e Partenon. Por quatro anos, trabalhou no combate a incêndios e no atendimento de acidentes. Com o nascimento da filha – Mariana, hoje com 10 anos –, Fernanda decidiu pedir transferência para Santa Cruz do Sul, por identificar na cidade melhor qualidade de vida.
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Chegando no 6º BBM, ingressou no setor de prevenção de incêndios, no qual permaneceu até este ano. Recentemente, foi designada para o Setor de Operações de Defesa Civil. Ela lembra que por quatro anos trabalhou na Operação Verão no litoral norte, com a equipe de Operações da Defesa Civil. “Como eu já tinha experiência na área e certo domínio da função, pedi para ir para o setor”, disse. No ano passado, trabalhou nas duas operações realizadas durante as enchentes, no Vale do Taquari, em nível de Estado.
Dentre as ações que marcaram sua trajetória, cita um dos dias em que participou dos resgates na enchente de 2024, em Rio Pardinho. Ela e um colega saíram em um barco para resgatar famílias. “Quando estávamos voltando, já noite e sem iluminação, conseguimos encontrar uma família que tinha pedido ajuda. No meio do caminho, localizamos outra senhora que já estava com a correnteza na altura do peito, segurando um cachorrinho”, recorda.
“Foi muito emocionante o retorno, porque a gente não sabia mais pra onde estava indo. A gente só ia seguindo uma luz, não tinha mais contato com ninguém, e eles foram rezando e chorando. Quando chegamos em local seguro, nos demos conta de que poderíamos não ter conseguido sair, que a embarcação poderia ter virado, mas tiramos 13 pessoas dali. O agradecimento daquelas pessoas, o jeito que nos abraçavam e choravam, me tocou muito”, lembrou.
Sobre representatividade, ela observa que as bombeiras conquistaram espaço e todas são muito respeitadas e competentes. “Já ouvi elogios de muitas colegas. Em todos os setores, tem presença de mulheres. E são muito competentes e muito valorizadas. As mulheres são reconhecidas na instituição, e fico muito feliz pelas minhas outras colegas também.”