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Ricardo Düren

Elas querem brincar na neve

Pai, já viu neve?A pergunta da Ágatha fez-me recordar de certo inverno, quando eu tinha uns 15 ou 16 anos, em que uma estranha chuva de gelo fino caiu sobre Santa Cruz do Sul. Certamente não era granizo, tampouco água gelada. Eram pequenos grãos de gelo, que desceram do céu por um minuto ou dois e que, segundo disseram alguns, seria neve. Contudo, sempre me perguntei se aquilo poderia ser considerado, formalmente, neve de verdade. E fiquei sem saber o que responder à caçula.
– Pois é, Ágatha… Talvez eu tenha visto… Mas não tenho certeza…
– Como assim, não tem certeza? Ou viu, ou não viu!

Contei então a história daquela nevasca suspeita, ocorrida lá pela metade dos anos 1990. Porém, a caçula fez pouco caso de minha angústia em não saber com certeza o que vi na ocasião. Já havia tramado uma solução para minha suposta curiosidade acerca de como a neve é de verdade. E puxou-me para a frente do televisor, onde pôs a rodar parte de um filme de Natal estrelado pelo Lucas Neto. No trecho do filme, o jovem youtuber descia uma montanha nevada sobre uma boia gigante. Mais adiante, mergulhava na neve e fazia várias estripulias sobre o gelo.

A traquinas então aproximou os lábios de meu ouvido, como que para revelar um segredo, e sussurrou:
– Descobri onde rodaram o filme…
E, com o celular, mostrou-me o site do Snowland, o parque temático cheio de neve, situado em Gramado.
– Sabe o que mais descobri? – continuou a traquinas. – Qualquer um pode entrar lá, não precisa ser youtuber ou estar gravando um filme. Só então pressenti o golpe, enquanto a marota arrematava:
– Deveríamos ir… No instante seguinte, cliquei no link do tarifário. Mentalmente, multipliquei por seis o preço dos ingressos, somei ao valor de dois tanques de gasolina, estimei os custos com as refeições em Gramado. E franzi o cenho.
– Legal, Ágatha. Mas, de momento, não há como viajar, devido… devido à pandemia.
– Claro, claro – concordou a marota. – Mas deveríamos ir nos programando, para depois que o coronavírus for embora. – e suspirou. – Só espero que isso não seja lá no verão.
– Que diferença faz, se no parque a temperatura é sempre a mesma?
– Porque seria ridículo sairmos de casa, em pleno verão, vestindo as roupas de inverno que precisaremos usar no parque. E, desde então, Ágatha vem planejando o passeio, enquanto eu avalio o quanto tudo isso iria custar.

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A caçula, contudo, já espalhou entre as irmãs que vamos ver a neve assim que a pandemia acabar, e encheu-as de expectativas. Tanto que, dias atrás, Ágatha me chamou para fazer fofoca da irmã um ano mais velha:
– A Yasmin quer patinar no gelo quando formos ao parque – segredou-me. – Acha que, por andar de patins com rodas, aqui em casa, vai chegar lá toda chiqueté e dar um espetáculo sobre o gelo – e meneou a cabeça. – Só espero que não faça um grande fiasco.

De fato, desde que ouviu falar no tal passeio, Yasmin tem intensificado os treinos com os patins e assistido a tutoriais sobre patinação no gelo. Porém, não encontrou maiores novidades nas instruções.
– Já sabia da maioria das coisas que ensinam nos vídeos – gabou-se. – A única informação nova é que, em uma lagoa congelada, não se deve patinar sempre no mesmo ponto.
– Por quê? – interessei-me.
– Porque, patinando sempre no mesmo ponto, pode-se gastar o gelo, abrir um buraco e cair na água.
– Isso mesmo – intrometeu-se Ágatha, em tom zombeteiro. – E, ao cair na água, podemos ser devorados por uma baleia orca!

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Yasmin também andou fazendo fofoca da Ágatha, por conta dos planos para o passeio:
– Pai, ela viu no filme que lá no parque há personagens com orelhas pontudas, tipo duendes, e quer arrumar uma destas orelhas para ela.
– Ué? – estranhei. – Mas achei que ela levaria junto aquele protetor de orelhas, que mais parece um fone de ouvidos peludo…
Yasmin, então, caiu na gargalhada.
– E vai mesmo. A orelha pontuda ela planeja colocar no nariz, para protegê-lo do frio.

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As duas menores também andaram discutindo sobre a localização do parque. Ágatha estava preocupada, pois ouvira dizer que, para ir ao estrangeiro, era preciso passar na polícia e tirar passaporte. Yasmin, porém, tentou convencê-la de que Gramado, onde está localizado o parque, fica no Brasil.
– Será mesmo? – indagou a caçula, ainda desconfiada.
– Acho que o parque fica fora do Brasil. Sempre ouvi dizer que no Brasil não neva… ou que neva só aquele gelinho sem graça que o pai viu quando era novo…

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